São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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Andar pelas ruas é missão impossível

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em meio à algazarra típica de portas de colégios, as garotas Larissa Leme, 13, e Olívia Vioto, 13, enfrentam o trânsito dos colegas com as mãos nas rodas. Não sem antes pararem para conversar e para se despedir dos amigos.
Nada é muito diferente, não fosse a história das garotas. Larissa sofreu um acidente de carro há três anos e meio, quando viajava com a família. Ficou paraplégica (com paralisia nos membros inferiores). "Minha vida mudou completamente. Fiquei seis meses sem ir à escola mas não perdi o ano quando voltei", conta orgulhosa.
Já Olívia sofreu uma lesão medular alta, que afetou os membros inferiores e superiores, após também sofrer um acidente na estrada. "Eu era um bebê de sete meses. Já me conheci assim", diz.
Como lazer, elas gostam muito de ir a shoppings e costumam ir ao cinema. "Eu sempre vou ao Cinemark. Acho o local reservado para deficientes adequado, só não tem o porta-copos", avalia Larissa.
Em shows, Olívia não teve dificuldades. Foi a um show do Capital Inicial, no Olympia (considerou adequado o espaço), e em outro do Gilberto Gil, no Sambódromo, em São Paulo. "Fiquei perto do palco e não estava lotado."
Larissa conta que adora dançar. Quando chegava da escola, antes do acidente, colocava o som no último volume e ensaiava seus passos na sala. "Comecei a fazer aulas de dança e descobri que posso dançar. Mas ainda não fui a nenhuma danceteria. Quero ir ainda neste ano."
Na opinião das garotas, tarefa quase impossível mesmo é andar pelas ruas da cidade sem acompanhante. "As ruas precisariam ser mais planas, e o piso, mais liso. Alguém precisa empinar a cadeira para passarmos pelos buracos", reclama Olívia. "Não gosto que me empurrem a toda hora. Acho incômodo. Mas, quando preciso, não há problema", admite Larissa.
Na escola, elas percebem que o tratamento dos colegas difere. "Todos são educados, nos tratam bem. Mas dá para perceber quem é mais sensível. Alguns escolhem as palavras na hora de falar", comenta Larissa. Ela lembra de uma história que até hoje não entende. "Eu era muito amiga de uma garota do meu colégio antigo. Depois que sofri o acidente e apareci na cadeira de rodas, ela não falou mais comigo. Acho que ficou constrangida. Era como se eu não fosse mais a mesma pessoa. Faltou compreender que sou a mesma, mas estou sentada. Qual é a diferença?", diz.
Quando o assunto é garotos, elas ficam envergonhadas. "Acho que eles têm um pouco de medo de se aproximar. Mas já fiquei com um menino em uma danceteria", fala Olívia. "Ele se aproximou para conversar e quando percebi já tinha acontecido."
Quase todos os finais de semana Larissa recebe amigas em casa. "Eu prefiro que elas venham dormir aqui", diz. "Mas minha melhor amiga é a minha mãe. Passamos por muita coisa juntas."
"Após o período de aceitação do trauma, as depressões e crises que podem surgir não têm relação com a deficiência. Podem ser reflexos das conturbações da adolescência", avalia Eliane Assumpção, psicóloga das garotas. (KC)


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