São Paulo, segunda-feira, 03 de janeiro de 2011

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IMAGINAÇÃO SEM LIMITES

DE ALL STAR, GULLIVER DO SÉCULO 21 DEIXA DE LADO ESPÍRITO CRÍTICO DO AUTOR

Divulgação
Jack Black em cena de "As Viagens de Gulliver", que estreia em 14/1

PAULO WERNECK
EDITOR DA ILUSTRÍSSIMA

"Viagens de Gulliver", que estreia no dia 14, é uma adaptação de uma das quatro viagens narradas na obra de Jonathan Swift (1667-1745).
Publicado em 1726 e desde então inúmeras vezes reeditado, adaptado para crianças e para o cinema, o livro traz as grandes marcas do autor: a ironia, a crítica à sociedade e a imaginação sem limites.
Num de seus escritos, "Modesta Proposta para Evitar que as Crianças da Irlanda se Tornem um Fardo para os Seus Pais ou para o seu País", Swift propunha que as crianças fossem abatidas, assadas e devoradas como leitões. Estariam resolvidos os problemas da alimentação e das crianças de rua!
Na primeira viagem, depois de naufragar, Gulliver vai parar em Lilipute, país habitado por um povo minúsculo que o aprisiona e depois o proclama herói.
Os diminutos nativos já viraram adjetivo: "liliputiano", diz o dicionário Houaiss, tem origem na obra de Swift e significa "extremamente pequeno", mas também "mesquinho, medíocre".
No filme, a aventura é recontada pelos olhos de um típico e americaníssimo "loser"; já os liliputianos têm sotaque e afetação britânica.
O grandalhão aprende a se safar valendo-se de sua cultura pop, que até então não tinha lhe servido de nada.
Isso mesmo: ele ensina um amigo a cortejar uma dama com os versos do hit "Kiss", de Prince. Deixa os nativos embasbacados com seu iPhone. Usa All Star. Leva ao palco da ópera local supostas memórias de sua vida: cenas de filmes como "Titanic".
Se o livro é uma crítica à sociedade britânica do século 18, o filme quer valorizar as pequenas "inutilidades" do século 21 -e aproveita para mostrar como os ingleses são "ridículos" e nada "cool".
As melhores cenas vêm direto do original: por exemplo, quando Gulliver apaga um incêndio no palácio fazendo xixi nas chamas (e na princesa que corria perigo).
Quem curte escatologia vai se deliciar com o livro, que acaba de ganhar nova edição (Cia das Letras) pelo grande tradutor Paulo Henriques Britto. Não leia adaptações: vá direto à fonte!
O filme narra apenas a primeira viagem de Gulliver, que ocupa só 70 das mais de 400 páginas do livro.
"Viagens de Gulliver" e "Os Três Mosqueteiros" parecem ter sido escritos para o cinema 3D. Mas fica a impressão de que o 3D não deu conta da imaginação de autores como Swift ou Dumas.
Este é o risco de adaptar clássicos: transformar "Alice" num filme de guerra que mais lembra "Avatar" do que o livro de Lewis Carroll.
Em vez de nos levar a outros tempos e outros espaços, o filme acaba encaixando a história nos liliputianos limites do nosso mundo.

VIAGENS DE GULLIVER
Autor: Johathan Swift
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Penguin - Companhia das Letras
Quanto: R$ 29,50
448 páginas




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