São Paulo, segunda, 3 de maio de 1999

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Cerveja é a droga preferida pelos jovens

SILVIA RUIZ
da Reportagem Local

Agosto de 96, sexta-feira à noite. Marcelo (nome fictício), 18, sai da aula e toma algumas garrafas de cerveja no bar em frente à faculdade. Depois vai a uma festa. Bebe mais. Ao voltar para casa, às 4h, perde o controle do carro, choca-se contra um poste e morre.
O trágico fim de festa do estudante é uma das centenas de histórias dramáticas que envolvem o abuso de álcool entre jovens. A droga, que lidera a preferência dos estudantes, é a que mais detona o corpo e mais faz vítimas no país. Pior: o consumo pesado, caminho mais curto para a dependência, vem aumentando nesse grupo.
O livre acesso à bebida, a cumplicidade dos pais e da sociedade e, para completar, o incentivo intenso da propaganda (leia texto abaixo) fazem o quadro se agravar cada vez mais, alertam os especialistas.
"Enquanto a sociedade, os pais e o governo se preocupam com as drogas ilícitas, há um "liberou geral' em relação ao álcool, que é uma droga tão ou mais nociva do que o crack e a cocaína", diz Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e diretor do Proad (Programa de Atendimento a Dependentes, da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo).
A maconha, considerada a droga da juventude, perde de longe na comparação com o álcool. Pesquisa realizada em 97 com estudantes de dez capitais do país revelou que 15% deles consomem bebida alcoólica com frequência. A maconha é usada por 1,1% dos jovens, segundo a análise, realizada pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas).
O que preocupa os especialistas é que o consumo frequente e pesado vem crescendo. Além disso, o consumo de álcool entra cedo na vida desses estudantes: 50% dos alunos entre 10 e 12 anos já fizeram uso da droga.
"Quanto mais cedo o jovem começa a beber, mais dificuldade terá de abandonar o hábito. E mais: é na adolescência que se estabelece o uso frequente", diz Maria Lúcia Souza Formigoni, coordenadora da Unidade de Dependência de Drogas da Unifesp.
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A pior droga Apesar de ter seu consumo liberado, o álcool é uma droga psicotrópica (atua sobre o cérebro e altera seu psiquismo) considerada pesada pelos especialistas.
O abuso da bebida provoca 350 doenças físicas e psíquicas e é responsável por 90% das internações por dependência de drogas nos hospitais psiquiátricos.
"Os jovens têm dificuldade de enxergar o problema da dependência do álcool porque, se comparada às outras drogas, ela leva mais tempo, cerca de dez anos, para se instalar. O problema é que, quando isso acontece, os danos são maiores", diz Silveira. E, como o jovem começa a beber, em média, aos 10 anos, aos 20 pode ter se tornado alcoólatra, o que acontece com 1 em cada 10 usuários.

Cerveja também é droga
Segundo a pesquisa do Cebrid, a cerveja é a bebida mais consumida (36,5%) pelos jovens. Em segundo lugar está o vinho (15,3%).
O fato de a cerveja ter teor alcoólico mais baixo do que outras bebidas -cerca de 3,5%, contra 45% do uísque, por exemplo- faz com que muita gente acredite que pode bebê-la à vontade, sem maiores consequências.
O problema é que dificilmente as pessoas ficam na dose tolerável, que significaria tomar no máximo três latinhas, esporadicamente. "Recebo inúmeros pacientes jovens que bebem 20 latas em uma noite, algumas vezes por semana", diz Silveira. "Essa quantidade é extremamente tóxica."
Para o psiquiatra, é um erro acreditar que a cerveja é inofensiva. "Ela é a porta de entrada para outras drogas, e não a maconha, como muitos imaginam."
O psiquiatra Evaldo Melo de Oliveira, diretor do Instituto Raid (Instituto Recife de Atenção Integral às Dependências) confirma essa tendência. "Quem trabalha com dependentes sabe que todos começaram com a cerveja." Levantamento do instituto mostra que a cerveja é a bebida preferida por 44% dos estudantes até 18 anos, e que 67,5% deles começaram a beber entre 12 e 14 anos.
"É bom lembrar que a cerveja, como qualquer bebida alcoólica, é uma droga ilícita para menores", diz o médico. Mas comerciantes e donos de bar ignoram descaradamente a legislação que proíbe a venda de álcool para menores de 18 anos. Na pesquisa do Cebrid, apenas 0,9% dos estudantes disseram que não conseguiram comprar o produto.

Aids e acidentes
Além do risco da dependência, há outros muito mais imediatos para quem abusa do álcool, como o de se envolver em acidentes, em brigas ou se contaminar com o vírus da Aids.
"Beber faz com que as pessoas percam a capacidade de avaliar riscos", diz Silveira. Pesquisa realizada em 98 pelo Proad com 1.056 viciados revelam que quase 70% dos usuários de álcool tinham comportamento de risco para a Aids, ou seja, se "esqueciam" da camisinha depois de beber.
No caso dos acidentes de trânsito, os números impressionam: análise do sangue de 1.114 vítimas, realizada pelo Instituto Raid, revelou a presença de álcool em 61% dos casos. Vestígios de maconha foram encontrados em 7,3% das vítimas, e de cocaína, em 2,3%.
A maior parte dos acidentes (43,3%) ocorreu nos finais de semana. E no grupo das vítimas entre 13 e 17 anos, que nem poderiam beber, 47,7% haviam consumido álcool.
Se você costuma consumir bebida alcoólica, confira nas tabelas nesta página os sinais de excesso e evite que sua festa acabe mal.



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