São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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Cinema

Com o diabo no corpo

"Encarnação do Demônio" estréia sexta e marca a volta do temido coveiro Zé do Caixão ao cartaz

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de 41 anos longe das telas, o mais famoso personagem de terror brasileiro, o coveiro sádico Zé do Caixão, está de volta mais sanguinolento do que nunca. "Encarnação do Demônio" -filme que conclui a trilogia do personagem criado e vivido pelo cineasta José Mojica Marins em 1964- entra em cartaz nesta sexta com muita violência e cenas de tortura de embrulhar o estômago.
O filme começa quando Zé é solto da prisão onde passou os últimos 40 anos, cumprindo pena pelos crimes cometidos nos dois filmes anteriores.
Agora, Josefel Zanatas -o Zé do Caixão-, está na faixa dos 70 anos, é um respeitável senhor de barbas brancas, mas ainda conserva as unhas compridas, a capa e a cartola pretas e a obsessão por encontrar a mulher superior, sem medos e sem superstições, capaz de gerar com ele o filho perfeito. Na busca pela tal mulher, ele mata e tortura candidatas, discípulos e inimigos, deixando um rastro de violência por onde passa.
Para além do enredo sinistro, a história da produção do filme também tem sua carga de horror e seus fantasmas particulares. Escrito originalmente em 1966, "Encarnação do Demônio" passou pelas mãos de três produtores ao longo dos últimos 40 anos. Nenhum sobreviveu para concluir a história.
Na década de 70, um americano começou a trabalhar na produção. Morreu alguns meses depois, de câncer. Nos anos 80, foi a vez de Augusto de Cervantes, companheiro de Mojica desde os primeiros trabalhos no cinema. Acabou morrendo antes do início das filmagens. Em 1998, nova tentativa. O produtor Ivan Novais decide concluir a saga de Zé do Caixão, mas morre "de emoção" no dia em que o projeto seria anunciado para a imprensa.
"Essa fita passou a ser considerada maldita. Eu já não tinha mais esperança de fazer esse filme", conta o cineasta José Mojica Marins, 72.
Até que, em 2000, o produtor Paulo Sacramento, 37, e o diretor Dennison Ramalho, 34, resolveram quebrar o encanto. Procuraram Mojica com a intenção de promover sua volta aos sets de filmagem.
"Eles vieram me perguntar o que eu gostaria de filmar, e eu falei meio na brincadeira: pode ser "Encarnação". Mas logo perguntei para o Paulo: "Se acontecer alguma coisa com você, se você morrer no meio da produção, tem quem prossiga a fita?'", brinca o cineasta.
Sacramento, por sua vez, não se assustou com o histórico macabro. "Eu sou um pouco como o Zé do Caixão, não acredito em nada, não tenho superstição. Eu só queria ver esse filme pronto", diz o produtor, que também é responsável pela montagem da fita, vencedora de sete prêmios no 1º Festival Paulínia de Cinema e já escalada para uma mostra paralela do Festival de Veneza.
Se de 1966 até 2000 foram seis alterações no roteiro, de 2000 até 2006, ano que foi filmada, a obra sofreu mais nove modificações. "Originalmente, o Zé vinha de uma cidadezinha fazer experiências com LSD. Ele queria saber se as alucinações eram tudo aquilo de que se falava", conta o diretor.
A história dos 40 anos do personagem na prisão está registrada no livro em quadrinhos "Prontuário 666", que a editora Conrad lança nesta semana.

Sem computador
Quem está acostumado com os filmes de terror atuais, que abusam dos efeitos especiais, pode ficar surpreso com "Encarnação do Demônio". Tudo o que aparece na tela é real.
Isso significa que os atores tiveram que contracenar com ratos, aranhas, baratas e até com um porco morto. "A primeira coisa que eu pedi foi para não usar computação gráfica ou efeitos especiais, porque isso mata a autenticidade do trabalho. Eu sou pelo artesanal, acho que dá mais impacto. Hoje o público está muito evoluído, logo nota o que é computação gráfica ", defende o sórdido diretor.
Apesar de renegar o computador no cinema, Mojica já o incorporou ao seu dia-a-dia. Com auxílio da filha e do genro, ele criou no início do ano um perfil no Orkut (José Mojica Marins Oficial) para divulgar seu filme e trocar idéias com fãs.
Também é usuário do YouTube, que usa para pesquisar filmes novos e relíquias que não consegue achar em videolocadoras. "Descobri no site pessoas que tinham fitas minhas que nem eu tenho mais. Mandei e-mail, e eles vão me enviar cópias", conta Mojica, que conseguiu recuperar obras como "D'Gajão Mata Para Vingar" e "Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro" (ambos lançados em 1972).

AS TORTURAS EM "ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO"

DO PORCO
A cena mais impactante é a que mostra uma das candidatas a mãe do filho do coveiro sendo retirada de dentro de um porco. A atriz teve de "entrar" na carcaça do animal "que chegou do açougue já limpo, sem carnes e sem tripas" e ser costurada lá dentro (apenas um buraquinho para ela respirar ficou aberto).
A cena mostra Zé do Caixão rasgando a barriga do porco com uma faca e resgatando a garota de dentro do bicho

DAS BARATAS
Lenny Dark, companheira de Mojica na vida real, teve uma cena escrita em sua homenagem: é obrigada a mergulhar o rosto em um tonel com 3.000 baratas.
Metade da equipe, com fobia ao inseto, saiu do estúdio e não conseguiu acompanhar a filmagem

DOS GANCHOS
Um dos seguidores do coveiro é suspenso no ar pela pele. As costas do ator "que faz profissionalmente performances desse tipo em São Paulo" foram perfuradas por ganchos, que o sustentaram no ar

DOS LÁBIOS
Outra seguidora tem os lábios costurados.
A cena foi feita sem anestesia, por uma performer de "body modification"

DAS ARANHAS
Para provar que qualquer um sobrevive ao sadismo do Zé do Caixão, o cineasta se submeteu à maldade de seu próprio personagem. Num delírio, o coveiro tem de suportar aranhas passeando por seu corpo

censura: 18 anos

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