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Festa no céu
Toda sexta-feira,
cerca de mil jovens vão ao Brás assistir a missa com luz negra e dançar o tecno de Jesus na Cristoteca
Fotos Danilo Verpa/Folha Imagem
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Padre faz missa na abertura da santa balada, com luz negra e tudo |
ADRIANA KÜCHLER
DO GUIA DA FOLHA
Se o electro é por nós,
quem será contra
nós? Substitua o electro acima por rock,
reggae, axé e até psy-trance, e a frase ainda servirá
como slogan para a Cristoteca,
balada que reúne cerca de mil
jovens cristãos e simpatizantes
toda sexta-feira na comunidade Aliança da Misericórdia (r.
Monsenhor Andrade, 746,
Brás, São Paulo, SP).
O promoter da festa e futuro
padre Vanderson Costa, 23, é
quem explica: "A evangelização
noturna usa um elemento do
contexto jovem, a música, para
alcançar o jovem. A diferença é
que uma balada secular quer
ganhar dinheiro em cima da diversão. Nossa finalidade é
evangelizar através dela".
A diversão funciona assim: às
23h30 começa a missa, num
grande galpão, com luz negra, e
um padre conduzindo. Maria
está de um lado do padre, a banda de outro, dançarinos em volta. À 1h30, entra o DJ e depois
uma banda. Rola trenzinho, rodinha de break. E a galera dança como se estivesse numa rave
até o galo da missa cantar.
Ambiente aparentemente
propício para ficadas, certo?
Nem tanto assim, afirma, de camisa da M. Officer, o simpático
Vanderson, que, se não fosse
um pré-padre, seria um bom
partido em qualquer balada.
"Grande parte dos jovens que
vem são casais de namorados
mas também vêm jovens que
procuram namorados, e a gente
não acha isso errado."
Música perigosa
Errado mesmo é quando um
casalzinho decide "avançar o
sinal". Aí é hora de chamar a
"equipe de evangelização corpo-a-corpo". A missão: fazer
"intervenções" com quem esteja alcoolizado, fumando ou com
casaizinhos muito animados.
"Propagamos a castidade, o namoro com respeito mútuo, sem
tomar posse do corpo um do
outro. Então, com muito jeito,
essa equipe também entra em
contato com os casais que ainda não estejam inseridos nessa
mentalidade."
A patrulha é uma boa idéia,
segundo o padre João Henrique, 51, italiano que segue a linha da renovação carismática
(ou linha padre Marcelo), buscador de "ovelhas perdidas" e
um dos criadores da balada.
"As casas noturnas têm
aqueles caras de terno preto e
três metros de altura, armados,
prontos para intervir em casos
de pessoas que incomodam os
outros. A Cristoteca é um ambiente saudável."
Intervenção direta rola mesmo é sobre a música: do reggae
ao rock, todas as letras têm de
falar de Cristo. Até (e principalmente) a eletrônica, comandada pelos DJs da equipe Electrocristo. "É um estilo de música
muito perigoso", esclarece
Vanderson.
"Cada som mexe com uma
parte do corpo. Assim, te influencia a fazer movimentos
que talvez não sejam do seu
costume. Pode levar a uma
agressividade, a uma sensualidade, o que não é o nosso objetivo", diz.
Padre Henrique explica que
realmente determinados tipos
de música suscitam instintos
negativos de violência, de descontrole emocional. E que isso
"não é uma descoberta da igreja, mas do FBI", prega.
Na dúvida, nenhuma música
eletrônica fica mais de cinco
minutos só no tunts-tunts.
Quando você menos espera, a
mensagem de Jesus chega via
progressive ou psy. "Se algo errado acontece, a gente pára o
som, e fala: "Galera, vamos rezar'", diz o DJ Léo Guimarães.
Cleber Marques Ramos, 21, é
um adepto do estilo clubber
cristão. "O tecno mundano tem
muita galinhagem, passa-passa
de mão, beija um, beija outro.
Antes eu gostava de samba, de
black. Agora só me dedico ao
tecno de Jesus."
Mas nem só da palavra de
Deus vive o homem, e os jovens
da Cristoteca também ouvem
outros sons. As amigas Mayara
Milinavicius, 16, que toca teclado na igreja, e Rafaela Maia, 16,
citam: Inimigos da HP, Jeito
Moleque, Charlie Brown Jr...
Charlie Brown, meninas?
Com aquelas letras cheias de
"Eu não sei fazer poesia, mas
que se f..."? "Dessas partes a
gente não gosta. A gente pula."
Drinques divinos
As meninas se incomodam
com baladas em que todo mundo fuma, bebe, briga. Lá não rola nada disso. Os pais adoram. É
uma benção! Se alguém quiser
encher a cara, a opção mais louca são os "cristodrinques", batidas doces, esfumaçantes e não-
alcóolicas. No cardápio, não
tem capeta, é claro, mas você
pode escolher entre o Apocalipse (suco de uva, hall's, energético e leite condensado), o
Coquinho de Deus (leite de coco, soda, energético e leite condensado) ou o Madre Teresa
(paçoca, pó de guaraná, açaí,
leite condensado e creme de
leite), oferecidos a apenas R$ 2
pelo missionário dos drinques
Jeferson Santos Barbosa.
Na fila para comprar o seu está o casal Roberta Ferreira, 18, e
Rafael Pessuto, 18, que namora
há um mês e aprecia o ambiente saudável em vários aspectos.
"Ficar não é saudável; é como
se você estivesse usando a outra pessoa", proclama Roberta.
Uma mulher santa
Aliás, achar um casal ficando
é missão árdua nas pistas do Senhor. E aí, Augusto César, já ficou com alguém aqui? "Graças
a Deus não." Graças a Deus?
"Quer dizer, ainda não. Ficar
por ficar não é legal. A gente
conversa, pega o telefone, marca outro dia."
Nova tentativa. Fernando
Henrique Ferreira, 18, já ficou,
mas não exatamente lá. "Quando a gente vê que tá pintando
clima, vai lá fora pra respeitar."
As cantadas não seguem o
padrão convencional nem na
comunidade da Cristoteca no
Orkut (que tem 6.400 membros). Em um post, o cristotequeiro Marcos André, 18, anuncia sua próxima balada: "Vou
estar lá louvando muito e,
quem sabe, encontrar uma mulher santa. Porque nem toda garota entende esse papo de retiro, de sábado à tarde na igreja,
sabe como é".
Nem todo mundo entende.
"Quando você fala que é da
igreja, as pessoas acham que
você passa três horas com o rosário na mão, de vestido compridão e orando. Rola um preconceito", diz Shirley Lisboa,
22, que adora Black Sabbath.
Ela resume a estratégia de sucesso da Cristoteca. "Eles misturam letras católicas com um
som mais puts-puts pra entreter. Porque, se põem aquelas
músicas mais "oooo", é sono na
certa. Todo mundo dorme."
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