São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

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SAÚDE

Nem só aquelas meninas magérrimas sofrem de transtornos alimentares; a maioria das vítimas da doença tem peso normal

Perigo por perto

DA REPORTAGEM LOCAL

A anorexia e a bulimia podem estar muito mais perto do que você imagina. Não são apenas aquelas garotas esquálidas que são retratadas quando já estão no estágio terminal da doença que são anoréxicas ou bulímicas. Também aquela menina magrinha ou gordinha que senta ao seu lado na escola pode estar enfrentando um transtorno alimentar muito grave sem que ninguém se dê conta.
"A maioria dos jovens com transtornos alimentares tem peso normal ou próximo do normal e, apesar disso, necessita de ajuda médica e de toda a atenção dos pais", afirma a psiquiatra Tatiana Moya, que desenvolveu como dissertação de mestrado na USP um instrumento de diagnóstico de transtornos alimentares para ser usado em estudos epidemiológicos, o que ainda não existia no Brasil.
"Se uma jovem emagrece tanto quanto os corpos que estão nessas fotos, significa que houve muita demora para procurar ajuda. Esses casos são gravíssimos e complicados de tratar. Um adolescente deve saber que ele pode até ter um corpo "aparentemente normal" e estar muito doente, pois só pensa em dieta, em exercícios e no que vai comer, tem vergonha do próprio corpo, abusa de laxantes, provoca vômitos, jejua ou tem compulsões alimentares", explica.
"Hoje em dia existe não apenas uma campanha contra a obesidade, mas uma campanha contra um corpo normal. As meninas querem ter um IMC (Índice de Massa Corporal) abaixo do recomendado para adultos. Aliás, é um erro comum aplicar esse cálculo para adolescentes", explica a psiquiatra Vanessa Pinzon, do Protad (Projeto de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas).
Verônica, 17, e Camila, 15, são duas jovens lindas, com olhos expressivos, longos cílios e traços delicados. Além da beleza e do corpo com medidas dentro do que seria considerado "normal", elas têm em comum muito sofrimento. As duas estão sendo atendidas pelo Protad, que oferece tratamento gratuito com psiquiatra, psicólogo, endocrinologista e nutricionista.
Verônica começou a ficar anoréxica há dois anos, por causa das brincadeiras dos amigos e de um namorado, que diziam que ela estava ficando "gordinha". "Com uma dieta que peguei na internet, emagreci 8 kg em duas semanas e vi que podia radicalizar. No começo, as pessoas me elogiavam por eu ter emagrecido", conta.
Nesse período, ela chegou a desenvolver um blog sobre "ana" (anorexia) na internet, mas hoje diz que ele está desativado. "Eu não estava mais agüentando, sofri várias conseqüências, tive descalcificação no dente, fiquei cinco meses sem menstruar, tive gastrite, meu cabelo caía demais. Além disso, a ana limitou meu convívio social, meu desempenho na escola piorou e parei de fazer teatro, porque pensava que iam me achar gorda no palco. Ainda tenho pensamentos anoréxicos, mas estou melhorando. As pessoas acham que é frescura, mas nunca mais tive uma vida normal."
No auge da doença, ela chegou a tentar se matar. Camila também tentou se matar três vezes. "Eu pensei que emagrecer ia ser a salvação para os meus problemas, mas acabei encontrando um problema maior", diz ela, que tinha um pouco de sobrepeso e começou a sofrer de anorexia por causa de um regime radical, feito por conta própria. "Perdi 20 kg em três meses. Quando eu era gorda, as pessoas me zoavam muito. Eu sempre tive vontade de emagrecer."
Hoje, com 1,60 m e 48 kg, ainda se acha gorda. "O que mais me incomoda é a barriga. Eu vejo na TV aquelas moças bonitas, e eu gostaria de ser como elas. Quando eu estava com 45 kg, me achava mais gorda ainda", afirma. Essa é uma característica da doença: quanto mais magra a garota está, mais gorda ela se vê.
"O ruim é que eu nunca vou ser 100% como eu era. Antes eu comia tranqüilamente e agora eu vou ter sempre essa preocupação. Tenho medo de ter uma recaída mais tarde, quando a minha família não estiver mais por perto", diz.
Ela reconhece que a doença foi uma forma de chamar a atenção dos pais. "Minha mãe sempre foi mais ligada ao meu irmão e meu pai é muito agressivo, não tenho muito diálogo com ele. Agora eles ficaram mais preocupados comigo."
Isso também é bem característico. "O transtorno alimentar costuma ser uma forma de regressão por problemas com relação às figuras parentais. Isso passa pela relação mãe-bebê e pelos possíveis traumas na fase oral. Mais tarde, isso se manifesta, inconscientemente, como uma recusa da menina a crescer e a ter um corpo de mulher. É como se elas dissessem: "Olha para mim, eu sou um bebê que precisa de alimento". É uma forma de mostrar o quanto elas estão desnutridas emocionalmente", interpreta a psicanalista Maria Beatriz Meirelles Leite. (ALESSANDRA KORMANN)


* Os nomes das adolescentes entrevistadas nesta reportagem foram trocados

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