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SAÚDE
Nem só aquelas meninas magérrimas sofrem de transtornos alimentares; a maioria das vítimas da doença tem peso normal
Perigo por perto
DA REPORTAGEM LOCAL
A anorexia e a bulimia podem estar
muito mais perto do que você imagina. Não são apenas aquelas garotas esquálidas que são retratadas quando já
estão no estágio terminal da doença que
são anoréxicas ou bulímicas. Também
aquela menina magrinha ou gordinha que
senta ao seu lado na escola pode estar enfrentando um transtorno alimentar muito
grave sem que ninguém se dê conta.
"A maioria dos jovens com transtornos
alimentares tem peso normal ou próximo
do normal e, apesar disso, necessita de ajuda médica e de toda a atenção dos pais",
afirma a psiquiatra Tatiana Moya, que desenvolveu como dissertação de mestrado
na USP um instrumento de diagnóstico de
transtornos alimentares para ser usado em
estudos epidemiológicos, o que ainda não
existia no Brasil.
"Se uma jovem emagrece tanto quanto os
corpos que estão nessas fotos, significa que
houve muita demora para procurar ajuda.
Esses casos são gravíssimos e complicados
de tratar. Um adolescente deve saber que
ele pode até ter um corpo "aparentemente
normal" e estar muito doente, pois só pensa
em dieta, em exercícios e no que vai comer,
tem vergonha do próprio corpo, abusa de
laxantes, provoca vômitos, jejua ou tem
compulsões alimentares", explica.
"Hoje em dia existe não apenas uma
campanha contra a obesidade, mas uma
campanha contra um corpo normal. As
meninas querem ter um IMC (Índice de
Massa Corporal) abaixo do recomendado
para adultos. Aliás, é um erro comum aplicar esse cálculo para adolescentes", explica
a psiquiatra Vanessa Pinzon, do Protad
(Projeto de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância
e Adolescência do Hospital das Clínicas).
Verônica, 17, e Camila, 15, são duas jovens lindas, com olhos expressivos, longos
cílios e traços delicados. Além da beleza e
do corpo com medidas dentro do que seria
considerado "normal", elas têm em comum muito sofrimento. As duas estão sendo atendidas pelo Protad, que oferece tratamento gratuito com psiquiatra, psicólogo,
endocrinologista e nutricionista.
Verônica começou a ficar anoréxica há
dois anos, por causa das brincadeiras dos
amigos e de um namorado, que diziam que
ela estava ficando "gordinha". "Com uma
dieta que peguei na internet, emagreci 8 kg
em duas semanas e vi que podia radicalizar.
No começo, as pessoas me elogiavam por
eu ter emagrecido", conta.
Nesse período, ela chegou a desenvolver
um blog sobre "ana" (anorexia) na internet, mas hoje diz que ele está desativado.
"Eu não estava mais agüentando, sofri várias conseqüências, tive descalcificação no
dente, fiquei cinco meses sem menstruar,
tive gastrite, meu cabelo caía demais. Além
disso, a ana limitou meu convívio social,
meu desempenho na escola piorou e parei
de fazer teatro, porque pensava que iam me
achar gorda no palco. Ainda tenho pensamentos anoréxicos, mas estou melhorando. As pessoas acham que é frescura, mas
nunca mais tive uma vida normal."
No auge da doença, ela chegou a tentar se
matar. Camila também tentou se matar três
vezes. "Eu pensei que emagrecer ia ser a salvação para os meus problemas, mas acabei
encontrando um problema maior", diz ela,
que tinha um pouco de sobrepeso e começou a sofrer de anorexia por causa de um
regime radical, feito por conta própria.
"Perdi 20 kg em três meses. Quando eu era
gorda, as pessoas me zoavam muito. Eu
sempre tive vontade de emagrecer."
Hoje, com 1,60 m e 48 kg, ainda se acha
gorda. "O que mais me incomoda é a barriga. Eu vejo na TV aquelas moças bonitas, e
eu gostaria de ser como elas. Quando eu estava com 45 kg, me achava mais gorda ainda", afirma. Essa é uma característica da
doença: quanto mais magra a garota está,
mais gorda ela se vê.
"O ruim é que eu nunca vou ser 100% como eu era. Antes eu comia tranqüilamente
e agora eu vou ter sempre essa preocupação. Tenho medo de ter uma recaída mais
tarde, quando a minha família não estiver
mais por perto", diz.
Ela reconhece que a doença foi uma forma de chamar a atenção dos pais. "Minha
mãe sempre foi mais ligada ao meu irmão e
meu pai é muito agressivo, não tenho muito diálogo com ele. Agora eles ficaram mais
preocupados comigo."
Isso também é bem característico. "O
transtorno alimentar costuma ser uma forma de regressão por problemas com relação às figuras parentais. Isso passa pela relação mãe-bebê e pelos possíveis traumas
na fase oral. Mais tarde, isso se manifesta,
inconscientemente, como uma recusa da
menina a crescer e a ter um corpo de mulher. É como se elas dissessem: "Olha para
mim, eu sou um bebê que precisa de alimento". É uma forma de mostrar o quanto
elas estão desnutridas emocionalmente",
interpreta a psicanalista Maria Beatriz Meirelles Leite.
(ALESSANDRA KORMANN)
* Os nomes das adolescentes entrevistadas nesta reportagem foram trocados
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