São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2007

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música

Caetano desce o cacê...

Em entrevista por e-mail, Caetano fala sobre o show "Cê", detona o Folhateen e elogia o "inimigo" Álvaro Pereira Júnior

DA REPORTAGEM LOCAL

A companhado de uma banda composta por baixo, guitarra e bateria, Caetano Veloso apresenta seu show roqueiro, "Cê", em São Paulo, neste final de semana. O Folhateen aproveitou a oportunidade para conversar com o astro sobre música, adolescência e, é claro, algumas polêmicas. (LETICIA DE CASTRO)

 

FOLHA - No final do ano passado, durante entrevista coletiva, você criticou o Folhateen por não dar espaço para novas cantoras brasileiras. O que você pensa sobre o caderno?
CAETANO VELOSO
- Vi uma reportagem no Folhateen em que jovens brasileiros exibiam hostilidade a tudo do Brasil ["Brasil, Terra Estrangeira", publicada em 22/1/07]. O caderno apresentava um contraponto: professores de sociologia ralhavam com os garotos anti-nacionalistas. Ora, é golpe baixo. Há milhões de jovens brasileiros que amam o novo choro, a Maria Rita, as casas da Lapa, o forró, o axé. Por que falar com professores? O jovem leitor do Folhateen vai se sentir reafirmado em seu critério pobre: jovem antenado despreza o Brasil, só velhos sociólogos é que querem me enfiar coisas brasileiras goela abaixo. Simplesmente não é equilibrado que um caderno dedicado à juventude brasileira finja que não há interesse no lançamento de Roberta Sá ou Mariana Aydar, que finja que Ivete Sangalo não é relevante, só porque esse caderno quer se parecer com um tablóide de rock inglês. Seria preciso definir então o caderno como um caderno de rock. De rock de língua inglesa. Já li artigo de Marcos Augusto Gonçalves [atual editor da Ilustrada], quando estava fora da Folha, se penitenciando do aspecto perverso que a revolução feita por Matinas Suzuki e ele na Ilustrada nos 80 tomou nos últimos anos. Mas eu já chiava contra a Ilustrada tocada por esses grandes amigos quando ela, dando amplo espaço para mim, Gil, Gal e os grupos de rock dos 80, fingia que Chico, Bethânia e Milton não existiam. Olho o Folhateen com alguma freqüência (sou assinante da Folha). Algumas dicas do meu inimigo Álvaro Pereira Júnior podem ser úteis -e ele está envelhecendo bem. Algumas puderam ser úteis para mim. Poderão ser também para um garoto ou outro. Mas cabeça colonizada é coisa de bundão. E essas formas novas de submissão colonial, supostamente representantes da superioridade cosmopolita paulistana, são o que há de mais bundão. E eu não desejo que a juventude brasileira tenda para uma atitude bundona contra a qual luto com todas as minhas forças desde os meus 20 anos.

FOLHA - A adolescência é uma época de polarização. Há adolescentes que detestam a música brasileira e só gostam de artistas estrangeiros e há jovens que só se interessam pela cultura nacional e rejeitam as coisas que vêm de fora. O que você pensa sobre isso?
CAETANO
- Conheço muitos jovens -inclusive adolescentes- que gostam de música estrangeira e de música brasileira. Isso também existe. E muito.

FOLHA - Quando adolescente, você também passou por isso?
CAETANO
- Na adolescência propriamente dita, eu ouvia de Francisco Alves a Paul Anka e aprendia tudo. Quando ouvi João Gilberto, primeiro fiquei só maravilhado, logo depois tomei uma atitude mais responsável com relação à música brasileira. Não sentia desprezo pela música estrangeira. Ao contrário: por causa dessa responsabilidade, ouvir Ella Fitzgerald, Thelonious Monk, Chet Baker ou Ray Charles era algo mais concentrado e intenso. O que eu desprezava era a música que era primária para se tornar comercial. O rock estava exatamente nessa categoria. Não só para mim. Isso era um consenso. Só em 1966 eu, influenciado por "Terra em Transe" e por Godard, fui me abrir para Roberto Carlos e, logo depois, para os Beatles -e aí entendi a força histórica de Elvis, de Little Richard, de Chuck Berry. É que, sendo um joãogilbertiano radical, eu não gostava da subsofisticação que se exigia de minha turma.

FOLHA - Como já foi dito, "Cê" traz um Caetano mais roqueiro. Você gosta do rock atual?
CAETANO
- Gostei muito do primeiro disco dos Arctic Monkeys. Gosto de Thom Yorke e do Radiohead. Sempre me atrai a voz e a cara do cara do Coldplay, sobretudo cantando "Fix You". Achei bacana White Stripes logo que ouvi. O guitarrista é espetacular e aquela garota que quase não toca bateria... Mas das bandas novas, a que mais me impressiona e interessa é TV on the Radio. E o disco que mais definiu o desejo de fazer o "Cê" foi um disco mais velho do que essas bandas: o dos Pixies na BBC. Mas não ouço muito música. Gosto mais de ler do que de ouvir música.

FOLHA - O que você pensa sobre o download de músicas na internet?
CAETANO
- Nada.

FOLHA - Você já baixou ou costuma baixar músicas na internet?
CAETANO
- Não. Meus filhos baixam muitas. E me mostram. Às vezes são novidades, às vezes são faixas dos Beatles (eles adoram), às vezes é Gnarls Barkley, às vezes é Kassin + 2.

FOLHA - Quais artistas estão no seu tocador de MP3?
CAETANO
- Só uso CD player. Ouvi muito The Streets e Arctic Monkeys, por prazer. Agora estou ouvindo uma seleção do Ween, já que alguns jornalistas falaram desse grupo ao comentar "Cê". E ouço muito o disco da Mariana Aydar. O da Roberta Sá eu ouço na casa do Moreno. Gosto do que há de samba nelas, do que há de Elis, do que já há de Marisa. E ouço Zeca Pagodinho e sempre João Gilberto. E Orlando Silva. E Regina Spektor e Amy Winehouse.

FOLHA - Como foi escolhido o repertório do novo show?
CAETANO
- Predominam as músicas do disco recente e daí vem a escolha das outras canções. Pedro [Sá, guitarrista] propôs "Chão da Praça". Marcelo [Callado, baterista] sugeriu "Como Dois e Dois", que caiu perfeita ao lado de "Voz do Violão", a única que canto sozinho com violão acústico. "O Homem Velho" me ocorreu por causa da juventude dos meninos e porque fala em "rock'n'roll" -além de "filhos, filmes, livros", uma lista que reapareceu em "Amor Mais que Discreto", que compus depois do disco pronto.

FOLHA - Como é essa nova música ("Amor Mais que Discreto")?
CAETANO
- É uma canção de amor gay. Em tom menor e com alguns versos assombrosos: "Mas você é bonito o bastante/ Complexo o bastante / Pra tornar-se ao menos por um instante/ O amante do amante/ Que antes de te conhecer/ Eu não cheguei a ser".


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