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música
Caetano desce o cacê...
Em entrevista por e-mail, Caetano
fala sobre o show "Cê", detona o Folhateen e elogia o "inimigo" Álvaro Pereira Júnior
DA REPORTAGEM LOCAL
A companhado de uma banda composta por baixo, guitarra e bateria, Caetano
Veloso apresenta
seu show roqueiro, "Cê", em
São Paulo, neste final de semana. O Folhateen aproveitou a
oportunidade para conversar
com o astro sobre música, adolescência e, é claro, algumas
polêmicas.
(LETICIA DE CASTRO)
FOLHA - No final do ano passado,
durante entrevista coletiva, você criticou o Folhateen por não dar espaço para novas cantoras brasileiras. O
que você pensa sobre o caderno?
CAETANO VELOSO - Vi uma reportagem no Folhateen em que
jovens brasileiros exibiam hostilidade a tudo do Brasil ["Brasil, Terra Estrangeira", publicada em 22/1/07]. O caderno
apresentava um contraponto:
professores de sociologia ralhavam com os garotos anti-nacionalistas. Ora, é golpe baixo. Há milhões de jovens brasileiros que amam o novo choro,
a Maria Rita, as casas da Lapa, o
forró, o axé. Por que falar com
professores? O jovem leitor do
Folhateen vai se sentir reafirmado em seu critério pobre: jovem antenado despreza o Brasil, só velhos sociólogos é que
querem me enfiar coisas brasileiras goela abaixo.
Simplesmente não é equilibrado que um caderno dedicado à juventude brasileira finja
que não há interesse no lançamento de Roberta Sá ou Mariana Aydar, que finja que Ivete
Sangalo não é relevante, só porque esse caderno quer se parecer com um tablóide de rock inglês. Seria preciso definir então
o caderno como um caderno de
rock. De rock de língua inglesa.
Já li artigo de Marcos Augusto Gonçalves [atual editor da
Ilustrada], quando estava fora
da Folha, se penitenciando do
aspecto perverso que a revolução feita por Matinas Suzuki e
ele na Ilustrada nos 80 tomou
nos últimos anos. Mas eu já
chiava contra a Ilustrada tocada por esses grandes amigos
quando ela, dando amplo espaço para mim, Gil, Gal e os grupos de rock dos 80, fingia que
Chico, Bethânia e Milton não
existiam.
Olho o Folhateen com alguma freqüência (sou assinante
da Folha). Algumas dicas do
meu inimigo Álvaro Pereira
Júnior podem ser úteis -e ele
está envelhecendo bem. Algumas puderam ser úteis para
mim. Poderão ser também para um garoto ou outro.
Mas cabeça colonizada é coisa de bundão. E essas formas
novas de submissão colonial,
supostamente representantes
da superioridade cosmopolita
paulistana, são o que há de
mais bundão. E eu não desejo
que a juventude brasileira tenda para uma atitude bundona
contra a qual luto com todas as
minhas forças desde os meus
20 anos.
FOLHA - A adolescência é uma época de polarização. Há adolescentes
que detestam a música brasileira e
só gostam de artistas estrangeiros e há jovens que só se interessam pela
cultura nacional e rejeitam as coisas
que vêm de fora. O que você pensa
sobre isso?
CAETANO - Conheço muitos jovens -inclusive adolescentes-
que gostam de música estrangeira e de música brasileira. Isso também existe. E muito.
FOLHA - Quando adolescente, você
também passou por isso?
CAETANO - Na adolescência
propriamente dita, eu ouvia de
Francisco Alves a Paul Anka e
aprendia tudo. Quando ouvi
João Gilberto, primeiro fiquei
só maravilhado, logo depois tomei uma atitude mais responsável com relação à música brasileira. Não sentia desprezo pela música estrangeira. Ao contrário: por causa dessa responsabilidade, ouvir Ella Fitzgerald, Thelonious Monk, Chet
Baker ou Ray Charles era algo
mais concentrado e intenso.
O que eu desprezava era a
música que era primária para
se tornar comercial. O rock estava exatamente nessa categoria. Não só para mim. Isso era
um consenso.
Só em 1966 eu, influenciado
por "Terra em Transe" e por
Godard, fui me abrir para Roberto Carlos e, logo depois, para os Beatles -e aí entendi a
força histórica de Elvis, de Little Richard, de Chuck Berry. É
que, sendo um joãogilbertiano
radical, eu não gostava da subsofisticação que se exigia de minha turma.
FOLHA - Como já foi dito, "Cê" traz
um Caetano mais roqueiro. Você
gosta do rock atual?
CAETANO - Gostei muito do primeiro disco dos Arctic Monkeys. Gosto de Thom Yorke e
do Radiohead. Sempre me atrai
a voz e a cara do cara do Coldplay, sobretudo cantando "Fix
You". Achei bacana White Stripes logo que ouvi. O guitarrista
é espetacular e aquela garota
que quase não toca bateria...
Mas das bandas novas, a que
mais me impressiona e interessa é TV on the Radio. E o disco
que mais definiu o desejo de fazer o "Cê" foi um disco mais velho do que essas bandas: o dos
Pixies na BBC. Mas não ouço
muito música. Gosto mais de
ler do que de ouvir música.
FOLHA - O que você pensa sobre o
download de músicas na internet?
CAETANO - Nada.
FOLHA - Você já baixou ou costuma baixar músicas na internet?
CAETANO - Não. Meus filhos
baixam muitas. E me mostram.
Às vezes são novidades, às vezes são faixas dos Beatles (eles
adoram), às vezes é Gnarls Barkley, às vezes é Kassin + 2.
FOLHA - Quais artistas estão no seu
tocador de MP3?
CAETANO - Só uso CD player.
Ouvi muito The Streets e Arctic
Monkeys, por prazer. Agora estou ouvindo uma seleção do
Ween, já que alguns jornalistas
falaram desse grupo ao comentar "Cê". E ouço muito o disco
da Mariana Aydar. O da Roberta Sá eu ouço na casa do Moreno. Gosto do que há de samba
nelas, do que há de Elis, do que
já há de Marisa. E ouço Zeca Pagodinho e sempre João Gilberto. E Orlando Silva. E Regina
Spektor e Amy Winehouse.
FOLHA - Como foi escolhido o repertório do novo show?
CAETANO - Predominam as músicas do disco recente e daí vem
a escolha das outras canções.
Pedro [Sá, guitarrista] propôs
"Chão da Praça". Marcelo [Callado, baterista] sugeriu "Como
Dois e Dois", que caiu perfeita
ao lado de "Voz do Violão", a
única que canto sozinho com
violão acústico. "O Homem Velho" me ocorreu por causa da
juventude dos meninos e porque fala em "rock'n'roll" -além
de "filhos, filmes, livros", uma
lista que reapareceu em "Amor
Mais que Discreto", que compus depois do disco pronto.
FOLHA - Como é essa nova música
("Amor Mais que Discreto")?
CAETANO - É uma canção de
amor gay. Em tom menor e
com alguns versos assombrosos: "Mas você é bonito o bastante/ Complexo o bastante /
Pra tornar-se ao menos por um
instante/ O amante do amante/
Que antes de te conhecer/ Eu
não cheguei a ser".
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