São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2004

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MÚSICA

No PFL que virou o BRock, o Ira! é cada vez mais necessário

Vivendo e não aprendendo

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

A melhor banda do rock nacional (o Ira!), com o melhor guitarrista do rock nacional (Edgard Scandurra) e o vocalista mais honesto do rock nacional (Nasi), lança um de seus melhores CDs, o "Acústico MTV Ira!". É simples assim.
Mas nem tão simples assim.
Conheci o Ira! em 1985 (OK, confesso que não sou tão "teen" quanto este caderno), ano de "Mudança de Comportamento", quando assisti a um dos vários "shows-coletâneas" que rolavam naquela década. Era assim: produtores sem dinheiro juntavam bandas idem e com isso viabilizavam a apresentação.
Esta de que falo aconteceu no falecido teatro Bandeirantes (antes um templo do rock, hoje um templo da Igreja Universal), ali na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Desde então, o Ira! faz o mesmo tipo de som -atenção, não o mesmo som, o que faria deles uma peça de museu, mas o mesmo tipo.
Eles têm o que os norte-americanos chamam de "reliability", a capacidade de um experimento manter o mesmo resultado em repetidas tentativas. Em português claro adaptado para o rock, a qualidade de não trair seus ouvintes.
Nesse grande PFL que virou o rock brasileiro, o Ira! desempenha o mesmo papel que Luciana Genro, Heloísa Helena e Babá tiveram em relação ao PT: chegaram lá mas não se deslumbraram, seguiram fiéis a seus princípios. São autênticos.
Mas os caras, dirá você, são tão autênticos assim e lançam logo um Acústico MTV? O fato de eles terem gravado no formato faz mais bem ao Acústico do que mal ao Ira!, pois devolve ao projeto sua dignidade original, que começou lá em 1991, quando Paul McCartney gravou o primeiro "Unplugged" da história.
Basta ouvir a bela "O Girassol", que passou meio batida no CD "7 (Sete)", de 96, e é um exemplo perfeito do rock simples e direto da banda. Que outro grupo poderia fazer de versos aparentemente banais como "Você é meu sol/ Um metro e sessenta e cinco de sol" e "Como eu sou um girassol/ Você é meu sol" uma poderosa declaração de amor? Eis a outra qualidade de Scandurra, além da poderosa canhota: como um sábio poeta japonês, ele tira beleza de bobagens do cotidiano ("Você me ligou naquela tarde vazia/ E me valeu o dia", de "Tarde Vazia", ou ainda "Meus amigos, minha rua/ As garotas da minha rua", de "Envelheço na Cidade").
Ou conjuga "uppercuts" como "Se meu filho nem nasceu/ Eu ainda sou o filho", da clássica "Dias de Luta", e "Quanta gente já ultrapassou/ A linha entre o prazer e a dependência", da nova "Flerte Fatal".
Tanto tempo depois, ficamos todos um pouco mais bundões; o Ira! não, e ouvi-lo nos lembra de que nem tudo está perdido.


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