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BRINCADEIRAS DE MAU GOSTO
Pesquisa mostra que ofender colegas nem sempre é inofensivo
Amiguinhos da onça
ANTÔNIO GÓIS
DA SUCURSAL DO RIO
FERNANDA MENA
GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL
Nada mais comum que zoar ou ser
zoado na escola. Um apelido humilhante aqui, umas risadinhas
maldosas ali, um empurrão, uma fofoca ou um "gelinho" da classe. Todo mundo já sofreu, testemunhou
ou foi vítima de uma dessas "brincadeirinhas".
A novidade é que esse comportamento, considerado "normal" por
alunos e por muitos professores, está longe de ser algo inocente. Quem
batiza um colega de "bola" ou de
"quatro olhos", para citar exemplos
menos cruéis, não pensa em como
tais apelidos podem magoá-lo, afetar sua auto-estima e seu rendimento escolar. Parece um exagero? Pois
não é.
Isso é o que mostra uma pesquisa
realizada pelo Ibope a pedido da organização não-governamental
Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância
e à Adolescência).
Dos 5.482 alunos, de 5ª a 8ª série,
de 11 escolas públicas e particulares
do Rio de Janeiro que foram ouvidos na pesquisa, mais de 40,5% admitem ter praticado ou ter sido vítimas de "bullying" -palavra em inglês que é usada com o sentido de
zoar, gozar, tiranizar, ameaçar, intimidar, humilhar, isolar, perseguir,
ignorar, ofender, sacanear, bater, ferir, discriminar e, ufa, colocar apelidos do mal.
"O "bullying" se caracteriza por
agressões físicas ou morais repetitivas, o que configura uma situação
de abuso de poder", explica o médico Lauro Monteiro Filho, secretário-executivo da Abrapia.
Os dados da pesquisa mostram
que dois em cada três alunos que sofreram esse tipo de agressão ficaram
incomodados. As reações vão desde
a raiva (22,2% dos casos) até a vontade de não ir mais para a escola
(2,8%).
Outra pesquisa, feita pela Universidade West England, no Reino Unido, mostrou que um a cada cinco jovens de 15 anos cabula aulas porque
sente-se inseguro quanto a sua aparência e não quer ser alvo da chacota
dos colegas.
"O aluno que sofre "bullying" passa
a ter medo e a se isolar socialmente.
Alguns começam a faltar às aulas,
outros tentam mudar de escola. E há
aqueles que, em casos extremos,
tentam até mesmo o suicídio", alerta Monteiro (veja anotações no diário ao lado). Para ele, o desafio é
convencer as escolas, os alunos e as
famílias de que todos perdem ao
não agir contra essa situação: "Até o
aluno que pratica o "bullying" acaba
sofrendo consequências, pois pode
se tornar uma pessoa agressiva e
com dificuldade de respeitar os colegas de trabalho e os familiares".
Extremos
A prática de "bullying" começou a
ser pesquisada na Europa quando
foi descoberto que ela estava por trás
de muitas tentativas de suicídios de adolescentes. Sem a atenção da escola ou dos pais -que, às vezes,
acham as ofensas bobas demais para
terem maiores consequências- o
jovem recorria a uma medida desesperada.
Hoje, no Reino Unido, por exemplo, há até leis "anti-bullying", que
determinam que todas as escolas tenham políticas para evitar esse comportamento entre seus alunos.
Mas não é preciso cruzar o oceano
para encontrar casos extremos. No
Brasil, no início do ano, em Taiúva,
interior de São Paulo, o estudante
Edmar Freitas, 18, se suicidou dentro da escola onde tinha estudado
depois de disparar para todo o lado
e ferir seis pessoas. Edmar era ridicularizado pelos colegas, que o chamavam de "gordinho". Depois de
emagrecer para se livrar do estigma,
ganhou novo apelido: "vinagre", já
que os colegas insinuavam que havia tomado ácido para perder peso.
"Está na hora de aprendermos a
diferença entre brincadeira e agressão. Brincadeira só acontece quando todos estão se divertindo. Quando uma parte se diverte e a outra se
sente acuada ou humilhada, não é
mais brincadeira, é violência", argumenta a psicóloga Lídia Aratangy,
que mudou de uma escola na metade do ano por causa de um episódio
de "bullying".
Seus colegas costumavam humilhá-la por ser judia e, numa certa aula, na hora da entrega da lição de casa, a professora reclamou que sua
folha estava com "manchas de gordura", perguntando se, "por acaso,
judeu tinha mania de fazer lição na
cozinha". "Contei aos meus pais e,
na semana seguinte, já estava em
outra escola", lembra.
Na sala de aula
A pesquisa brasileira revelou que
essas agressões ocorrem, em 59,8%
dos casos, na sala de aula, ou seja, na
frente do professor.
"Isso pode ser um indicador de
que o professor acha essa situação
normal ou de que não tem autoridade para diminui-la", afirma o médico Aramis Lopes Neto, coordenador
da pesquisa.
Para educadores de colégios de
São Paulo consultados pelo Folhateen a prática não é frequente dentro da sala de aula.
Todos eles afirmam tomar medidas contra a discriminação e o preconceito, principalmente por meio
de dinâmicas de grupo, nas quais os
alunos são incentivados a expressar
seus sentimentos.
"O aluno costuma se revoltar contra os "skinheads" e contra queimar
índio. Mas mostramos a eles como
isso começa perto quando eles mesmos são preconceituosos com os colegas", explica Caio Martins Costa,
do Colégio Friburgo. Ele admite, no
entanto, que o "bullying", muitas
vezes, passa despercebido pelos
professores, que o vêem ou como
um comportamento normal ou como um tema que não é de sua competência.
Para dom Geraldo Gonzáles y Lima, vice-reitor do colégio Santo
Américo, a intolerância está crescendo nas escolas. "Cuidamos da inclusão dos que estão fora da escola,
mas precisamos nos preocupar
também com a exclusão daqueles
que já estão aqui dentro."
A estudante Isabela, 13 -que já
foi apelidada de "Isabola", mas pediu para que os colegas parassem
com aquilo-, confirma o descuido
de alguns professores. "Tem um
menino da classe, que tem muitas
espinhas e é o maior nerd, e a gente
meio que exclui ele. Quando pegam
pesado com ele na aula, existe professor que até ri junto com a gente,
mas já aconteceu de um outro expulsar um aluno da sala por causa
da brincadeira."
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