São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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ESPORTE

Meninas que remam

Elas madrugam, perdem aulas e economizam cada centavo para viajar; tudo para viver sobre as ondas

Adriano Vizoni/ Folha Imagem
Alexia Jeri, 17, treina em praia do Guarujá (SP)

TARSO ARAUJO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eram 6h45 da manhã de um domingo que começava nublado e frio, quando Gabriela Leite, 17, entrou com sua prancha no mar. Em jejum. "Fico muito nervosa e enjoo. É difícil comer. Prefiro assim", diz.
O nervosismo era generalizado entre as meninas que disputariam as finais do Circuito Petrobras de Surfe Feminino, no final de abril, na praia do Tombo, no Guarujá (SP).
Não era para menos, porque todas ali também têm outra coisa em comum. "Meu sonho é ser surfista profissional", diz Bárbara Segatto, 16.
A tarefa não é simples. A carreira de muitas delas vai, literalmente, morrer na praia antes de elas pagarem suas contas com prêmios e patrocínios.
Um dos primeiros desafios das jovens é justamente lidar com o frio na barriga e a pressão por resultados. Surfar é paz. Competir é outra coisa.
"A gente fica velha mais cedo", diz Dominik Pupo, 14, filha e irmã de surfistas que já competiram em circuitos internacionais de surfe. "Tem que saber perder, mas é duro. Ontem perdi de cara, hoje também. Por cima, tô bem. Mas eu mesma, por dentro, tô mal", diz.
Gabriela Silveira, 21, saiu nervosa da água, ao perder a final da sua categoria. "Não surfei nada. Foi minha pior bateria", diz, a prancha ainda debaixo do braço, os olhos fixos no mar e uma lágrima escorrendo.

Competir é viajar
Outra dificuldade é o dinheiro. Como os campeonatos acontecem em praias de vários Estados do Brasil, do Nordeste ao Sul, competir pode sair caro.
A equipe de Ubatuba (SP), por exemplo, tem apoio da prefeitura, e teve uma van para ir e voltar nos dias de campeonato.
Alexia Jeri, 17, veio do distante Peru para outra competição. "Aproveitei para ficar um pouco mais e disputar esse também. Estou hospedada na casa de um amigo", diz, entregando outra tática de economia.
Muitas surfistas fazem amizade e dormem umas nas casas das outras, para não gastar com pousadas ou hotéis.
Gabriela Silveira veio de Natal (RN), a cerca de 3.000 quilômetros do Guarujá, e também ficou numa casa de surfistas.
Ela tem um patrocínio, mas economiza ao máximo para poder pagar todas as passagens com o dinheiro que ganha.
Estudante de biologia, ela era a única universitária disputando o campeonato e estava preocupada com as aulas.
"Perdi dois dias, na faculdade e no inglês", diz a estudante, que não pensa em parar de estudar por causa dos torneios.
"Eu amo o surfe, mas tenho que conciliar, porque são poucas as pessoas que vivem bem só do esporte."
Outras tomam o caminho oposto. Gabriela Leite começou a se destacar cedo e com 12 anos já tinha patrocínio. Os resultados vieram rápido, ela se profissionalizou logo e parou de estudar na 8ª série.
Bárbara Segatto, 16, também fez uma pausa neste ano. "Parei para me dedicar totalmente porque é minha hora de me destacar", diz a jovem, que pretende voltar à escola para concluir o segundo grau.
No Guarujá, "dedicar-se totalmente" foi disputar quatro categorias: a mirim (surfistas de até 16 anos), a júnior (até 18), a open (livre) e a profissional.
No sábado, ela perdeu a conta de quantas baterias disputou. "À noite, tava com os braços doendo tanto que tomei dois analgésicos para conseguir dormir", diz. No domingo, Bárbara pode comemorar a vitória na categoria mirim.
E vai continuar, como as outras, remando muito para chegar um dia na crista da onda.


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