São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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Jovens que moram na região mais barra-pesada de SP contam como é conviver de perto com a violência
Vivendo no "inferno"

Caio Guatelli/Folha Imagem
Teresinha Puppim na rua onde mora, no Jardim Imbé, região mais violenta de São Paulo


CLAUDIA ASSEF
DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante Teresinha Puppim, 14, conhece bem as regras do Jardim Imbé, na zona sul de São Paulo. E não poderia ser diferente. Quem circula por ali e não quer ser incomodado tem mesmo de conhecê-las bem.
O Jardim Imbé é um dos mais de 50 subdistritos do Jardim Ângela, bairro mais barra-pesada da cidade. No ano passado, o Ângela, que tem mais de 235 mil habitantes, registrou 274 mortes por homicídio.
Isso significa que, a cada 100 mil habitantes, 116 foram assassinados em 1999. Num bairro de classe média alta como Moema, por exemplo, o índice foi de quatro homicídios para cada 100 mil habitantes, 29 vezes menos que no Ângela. Por essa razão, a região que engloba o Ângela e os vizinhos Capão Redondo e Jardim São Luís ganhou o sugestivo nome de "triângulo da morte".
Teresinha, estudante que mora no Jardim Imbé desde que nasceu, diz que não liga para a má fama do bairro. "Sou feliz aqui. É só saber evitar as coisas que obviamente vão te causar problema", diz a garota.
Que coisas seriam essas? Ela explica: "Não dá para ficar de bobeira na rua se você não for conhecida dos traficantes. Se você não é da área, eles vão te parar para fazer perguntas, vão querer saber o que você está fazendo ali. E, se você não tiver boas respostas, a coisa pode complicar para o seu lado", diz. "Quando uma prima minha veio do Rio para ficar na minha casa por uns dias, tive de ensinar isso a ela. Senão, ela teria tido problemas."
Segundo a garota, quem obedece a essa regrinha básica geralmente se livra de maiores encrencas. "O problema é que por aqui tem muitos desempregados, e esse pessoal acaba se envolvendo com gente que não deveria." Para passar o tempo, ela trabalha na biblioteca da paróquia Santos Mártires, comunidade religiosa que atua na reinserção de jovens -principalmente os "jovens-problema"- na sociedade (leia mais ao lado).
Descolada diante da violência, Teresinha conta que já viu um vizinho sendo "esfolado" na rua da sua casa. "O cara era gente boa, mas era traficante. Ele foi arrastado por um bando de caras e quase morreu de tanto apanhar. Na certa, era dívida de droga", calcula.
A escola em que Teresinha estudava também já foi alvo da violência. "Mataram um garoto lá dentro. Daí, minha mãe ficou com medo e me tirou de lá." Agora, a garota acorda às 5 da manhã e viaja uma hora de ônibus para chegar ao novo colégio, no bairro do Socorro.
Nos fins-de-semana, Teresinha encontra os amigos em atividades promovidas pela igreja. Ou, então, fica em casa, adiantando os deveres de casa. Mas uma lição fundamental para a sobrevivência a garota aprendeu fora da escola: "Por aqui, o negócio é ficar longe dos policiais e ter moral com os traficantes. Contamos mesmo é com a proteção deles, fazer o quê?".



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