São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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Ligações Perigosas

Ciúme demais pode fazer namoro virar escravidão; jovens contam rotina de proibições, isolamento e agressões físicas

DÉBORA YURI
PATRÍCIA PEREIRA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Depois do caso Eloá, em que a adolescente foi seqüestrada pelo ex-namorado ciumento e a história acabou em tragédia, e do rompimento de Luana Piovani com Dado Dolabella, que teria agredido a atriz numa casa noturna, uma luz vermelha acendeu na cabeça de muitos adolescentes: qual é o limite do ciúme? Será que meu namorado (ou namorada) chegaria a esse ponto? E o que eu faria nessa situação?
Juliana*, 17, namora há um ano e cinco meses um rapaz muito ciumento, que já a agrediu. "Uma vez, na minha casa, a gente teve uma discussão, ele se irritou e me deu um tapa e um soco no rosto. Eu só chorei, porque não ia conseguir me defender, ele é muito mais forte."
Ela terminou o relacionamento, mas, um mês depois, reatou com o namorado por "gostar muito dele", apesar da indignação das amigas, de se sentir "idiota" e das broncas dos pais, a quem o menino pediu desculpas pela violência.
"Jovens que se submetem a relacionamentos possessivos não dão a si mesmos muita importância, a tal ponto que se subjugam a caprichos e excessos do parceiro", diz o psicólogo especializado em adolescência Miguel Perosa, da PUC-SP.
"A carência emocional é tão complexa que ele chega a achar fascinante ter alguém tão preocupado consigo, mesmo que cerceie sua liberdade. A vítima do ciúme fica cega, faz de tudo para não ver o problema, porque ela precisa daquilo", completa a psicóloga Ana Paula Mallet Lima, da Unifesp.

Conselho vira ordem
O ciumento além da conta começa a mostrar sua cara com conselhos, que mais adiante viram proibições e podem culminar em agressões verbais e até físicas. Foi assim com Juliana.
Desde o início, o namorado implicava com recados deixados por meninos em seu Orkut. Passou a ficar nervoso e a iniciar brigas sempre que ela tinha vontade de sair sozinha.
Ele ainda a controla, com ligações para o seu celular. "Ele liga o tempo todo, eu atendo e ele pede relatório: "Onde você tá? Com quem você tá?'", conta.
Segundo especialistas, o ciúme muitas vezes é confundido com cuidado e visto como uma forma de amor. "Mas é apenas a manifestação da insegurança. E isso é perigoso, porque as exigências tendem a aumentar de freqüência e de intensidade, transformando a vida do outro numa escravidão", diz Perosa.
Quando tinha 18 anos, Fernanda*, 25, teve um namorado possessivo. Suas amigas o apelidaram de "psycho" (psicopata). Ele a mandava trocar de roupa, controlava com quem ela conversava e aonde ia e tinha ciúme até da sua família.
O namoro durou três anos. "As pessoas foram se afastando. Fui me isolando também, só saía com ele", lembra. O programa de sexta era sair da faculdade e comer pizza na casa dele; no sábado, cinema; domingo, almoçar com os pais dele.
"Eu estava vivendo como se tivesse 70 anos, mas tinha 18. Ele só admitia duas amigas que conhecia bem; homem, nem pensar. Eu tinha medo das reações dele. Demorei a me tocar, pensava que as atitudes eram por se preocupar comigo", diz.
Daniela*, 17, foi proibida pelo ex-namorado de entrar no MSN, fazer um perfil no Orkut e de falar com meninos. "Eu só podia conversar com as minhas amigas e com os amigos dele, e só com ele por perto", conta.
Quando ele a proibiu de sair sem autorização, a jovem pôs fim à relação. "Ele falava que era normal ter ciúme, que me adorava. Percebi que, se você tolera, o tempo passa e o controle só piora."
Para o psicólogo Ailton Amélio, da USP, há limites que não podem ser atingidos -como agressão física, desrespeito verbal, invasão de celular ou e-mail, restrição da vida social.
"Tem que deixar claro o que é intolerável. Se persistir? Termine o namoro", diz. Como fez Luana Piovani com Dado Dolabella, e explicou: "Descontrole nesse nível eu não aceito".


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