São Paulo, segunda-feira, 11 de junho de 2007

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comportamento

A internet encheu o saco

Frustração e cansaço levam jovens a abandonar o computador e a viver no mundo real

Leonardo Wen/Folha Imagem
Giovanna Caboclo, 16, e seu martelo, perfeito para quebrar o computador que não larga do seu pé


JULIANA LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Você liga o computador e se conecta. Mal o sistema carregou, entra no Orkut, no MSN e abre o Soulseek. Enquanto responde a mais de dez "olás" no MSN, checa novos recados no Orkut e entra no fotolog de um desconhecido que te deixou um recado. As janelas do MSN pipocam na tela: colegas de classe perguntam sobre o trabalho que vão fazer on-line, seu namorado te dá bronca por causa de algum scrap. Então você abre seu blog para desabafar quando percebe que... está zonzo. Levanta da cadeira, olha o relógio e entra em pane. Arranca o computador da tomada e assume: "Cansei de internet!!!".
Essa história é parecida com a de Ricardo Barbosa, 15, que passou mal de tanto navegar na rede há três meses. "Comecei a ficar tonto, levantei assustado e falei: "Meu, o que é isso? Passei seis horas aqui! Não acredito!'"
E, o pior, ele não fazia nada de útil: "Foi simplesmente uma pausa na minha vida, não aconteceu nada". Depois desse episódio, Ricardo decidiu nunca mais deixar de jogar futebol nem de encontrar os amigos para ficar na net. "Foi uma lição. Tem uma hora que chega", diz o garoto, que desconfia ainda estar viciado.
Giovanna Caboclo, 16, de Mogi das Cruzes, tomou uma atitude radical aos 14 anos. "Ficava o dia inteiro no MSN, uma coisa horrível. Falar pelo MSN é fácil, porque você monta as palavras direitinho. Mas ao vivo eu tinha medo de falar alguma besteira. Isso me deixava nervosa", diz a estudante que, para resolver seu problema de ansiedade, ficou um ano sem entrar na internet. "Na net as pessoas querem parecer perfeitas e ficam fuçando as vidas das outras. Você fica meio louca, entende?"
Estudante de cursinho, Maria Reininger, 18, abandonou blog e flog (blog com foto). "Encheu o saco. No começo é novidade, as pessoas comentam as baboseiras que você escreve. Depois, você cansa de ficar andando com a máquina fotográfica embaixo do braço para tirar fotos pro seu flog. Prefiro gastar meu tempo jogando rugby", conta a garota.
Alice Guenther, 15, tem vergonha de seu antigo fotolog, que fez aos 12 anos. "Eu realmente não tinha o que fazer. Colocava imagens sem noção que eu encontrava na net, fotos de professores ou daqueles gatos dentro da garrafa, sabe?", conta Alice, que prefere estudar ou ficar mais tempo na rua.
Outro "cansado", o carioca Tiago Gehrmann, 18, mal começou a navegar na net e já pegou raiva. "Quando me mudei para São Paulo, tentei usar a net para ficar acessível aos meus amigos, mas pra mim é inútil. Amo ler, mas detesto ler no computador", diz Tiago, que vai prestar Filosofia na USP e é fã do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Se alguma dessas histórias parece a sua, comemore. Seu "sistema" interno "deu pau", e você percebeu. Descobriu que existe vida lá fora, onde se pode praticar esportes, fazer um agrado no cachorro, ir ao cinema, ler um livro divertido.
Coisas que alguns adolescentes estão percebendo pelos mais diferentes motivos, mas quase sempre estresse, frustração e tédio (até no Orkut há comunidades para falar mal da internet).

Contramão
Esses depoimentos, no entanto, parecem vir na contramão de dados estatísticos.
Uma pesquisa do Ibope de março deste ano revelou que os internautas domiciliares brasileiros são campeões mundiais de horas de navegação -21 horas e 30 minutos por mês, em média- batendo até os japoneses.
"Esses jovens que acordaram pra vida podem ser uma luz no fim do túnel", diz Rosa Maria Farah, coordenadora da clínica de psicologia da PUC-SP, que percebeu o aumento da procura de adolescentes em sua clínica por conta do uso excessivo da internet. "As reclamações antes só vinham de parentes", completa.
Achar que a rede não serve para nada também não é a solução, porque há um mundo de coisas produtivas que ela oferece. O problema é quando as delícias da vida virtual roubam muito tempo da vida "real".
"A internet é um campo de ensaios de coisas boas e ruins", diz o professor Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do projeto Dependentes de Internet do Hospital das Clínicas.
"O que se deve é promover um uso mais lúcido, menos deslumbrado, com objetivos", aconselha Farah.
Moisés Balassiano, coordenador do Núcleo de Estudos de Carreiras da Fundação Getúlio Vargas pesquisa jovens craques em jogos eletrônicos e ainda incentiva: "Jovens que se dão bem no mundo digital podem focar isso para a carreira eles". Ou seja, dá pra aproveitar o mundinho dentro e fora da net, sem perder o rumo da vida.


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