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Fãs aprendem a bater cabeça desde o berço
MARCOS DÁVILA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Que barulho é esse? Parece que o cara
está vomitando no microfone. Desliga isso menina!", esbraveja o pai da
adolescente Thauanna Dutra Teixeira,
16, ao ouvir o canto (grito?) gutural do
vocalista da banda de death metal Cannibal Corpse. Depois de abaixar o volume,
a estudante pára e pensa: "A culpa é do
velho, afinal. Eu cresci ouvindo Deep
Purple e Black Sabbath com ele".
A história de Thauanna não é muito diferente da iniciação dos outros jovens
que desfilam todos os dias pela Galeria
do Rock, no centro de São Paulo, em camisetas pretas com estampas de monstros, demônios e outras aberrações sob o
nome de bandas como Iron Maiden,
Nightwish, Shaman, Sepultura, Metallica
etc. Algum dia, eles ouviram os acordes
distorcidos de um certo John Blackmore
ou os gritos ensandecidos de um tal Ozzy
Osbourne ali mesmo, no seio do lar, com
pai, mãe, irmão ou vizinho. Daí, para a
febre do metal se alastrar pelas veias basta um leve chacoalhar de cabeça.
Vestida de preto dos pés à cabeça,
Thauanna diz que sua preferência mesmo é o doom metal, "uma mistura de gótico com black metal", explica. Ainda assim, ela já está com ingresso comprado
para ver o tradicional Iron Maiden no
Pacaembu, ao lado do namorado, o guitarrista e cantor Gabriel Lopes, 18. "É um
som que nunca sai de moda e tem um
público muito fiel", afirma Lopes, que já
tocou na banda Dark Eagle e está começando a formar outra.
A jovem Daniella Aguiar Andrade, 16,
outra frequentadora da Galeria do Rock,
também toca um instrumento: flauta
transversal. Ela é integrante da Banda
Sinfônica de Cubatão, mas não esconde
sua paixão pelo heavy metal. "Música
erudita tem tudo a ver com metal", diz a
estudante, que adora o chamado metal
melódico e bandas como a italiana
Raphsody, que usa elementos sinfônicos
nas composições.
Em 2002, Daniella e seus amigos de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, onde vive, vieram para a capital ver a apresentação da banda finlandesa Nightwish, no
Credicard Hall. "Quando terminou o
show, pegamos o último ônibus para a
praça da Sé. Mas, ao chegar lá, o metrô já
tinha fechado e tivemos de dormir ali
mesmo", lembra.
Seu amigo Tiago Bosqué Ferreira, 16,
que também estava na empreitada, começou a ouvir heavy metal aos quatro
anos (!), acompanhado de sua prima,
que era "insana por Iron Maiden". "O
meu "The Number of the Beast" [disco do
Iron] já está quase furado", conta Ferreira, que se sente atraído por temas macabros e esotéricos e curte muito jogar o
RPG (Role-Playing Games) "Vampira
Máscara".
A paixão por esoterismo, RPG e histórias medievais também é recorrente entre jovens metaleiros, principalmente no
meio daqueles que curtem bandas como
Blind Guardian, que vira e mexe busca
inspiração nos escritos de J.R.R. Tolkien
-não é raro ver camisetas com personagens da trilogia "Senhor do Anéis" à venda nas lojas da galeria.
A fanzineira Jimena Gandarillas, 19,
afirma que o mangá (quadrinhos japoneses) também tem boa aceitação entre
os amantes do metal. Tanto, que acabou
criando o personagem metaleiro Guilherme em um de seus fanzines.
A Galeria do Rock serve de cenário para suas HQs, assim como os bares Manifesto - El Templo del Rock, no Itaim Bibi,
e o Led Slay, há 30 anos no Tatuapé. Neste último, a geração anterior a toda essa
molecada agitava igualmente suas cabeleiras ao som de Led Zeppelin, Black Sabbath e Judas Priest... Hoje, o lugar recebe
bandas cover de... Led Zeppelin, Black
Sabbath e Judas Priest. Será um déjà vu?
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