|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
livro
diários de resistência
"Vozes Roubadas" reúne 14 diários escritos durante conflitos por adolescentes e crianças
LUANA VILLAC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em 1918, quando a
alemã Piete Kuhr tinha 16 anos, ela escreveu as seguintes
palavras: "Logo concluirei meu diário de guerra.
Será o último diário de guerra
que escreverei na vida, pois jamais pode haver outra guerra,
jamais". Terminava a Primeira
Guerra Mundial, e a menina
nem imaginava que o mundo
ainda se chocaria com os horrores da Segunda Guerra e de
muitos outros conflitos que explodiriam ao redor do globo nas
décadas seguintes.
O diário de Piete é o primeiro
da coletânea "Vozes Roubadas", que reúne 14 diários de
guerra escritos por adolescentes ou crianças do início do século 20 ao começo do 21. Longe
das estatísticas e das imagens
pirotécnicas sem identidade
que vemos na televisão, esses
relatos pessoais revelam de forma tocante como é ter o cotidiano subitamente invadido
por uma realidade de violência.
"Eu pensava que as guerras
aconteciam às outras pessoas",
afirma Zlata Filipovic, nascida
em Sarajevo. "Mas elas realmente acontecem a pessoas como nós -pessoas com esperanças, desejos e problemas."
Zlata é uma das organizadoras do livro, ao lado da escritora
inglesa Melanie Challenger.
Ela ficou conhecida quando o
diário que manteve de 1991 a
1993 foi publicado e alertou o
mundo para as atrocidades da
guerra da Bósnia.
As duas se encontraram pela
primeira vez em Amsterdã, na
casa onde Anne Frank -a mais
famosa diarista da história- redigiu as páginas que a tornariam
um símbolo das vítimas do Holocausto. Hoje o local é um museu, e Zlata, que tem mestrado
em estudos da paz internacional, milita pela causa pacifista.
"Imaginamos um livro que reconstituísse o caminho da guerra através do século conforme
esta invadia a vida de criança
após criança", explica Melanie.
"Ao conhecer as pessoas que a
vivenciaram e cresceram em
meio a ela, podemos dividir o
conceito da guerra em pedaços
menores e começar a entender o
que ela significa", diz Zlata.
"Talvez assim possamos perceber também que os jovens cujos
escritos e cuja vida estamos conhecendo dividem uma humanidade comum, que transcende
cultura, credo e geografia."
Os registros selecionados trazem diferentes olhares sobre o
cenário bélico: tanto jovens que
lutaram no front quanto os que
vivenciaram os conflitos em cidades, vilarejos, esconderijos e
guetos falam de seu desespero e
de suas esperanças.
Nem todos os autores sobreviveram ao que enfrentaram.
Mas suas vozes permanecem registradas nesta obra.
VOZES ROUBADAS
Zlata Filipovic e Melanie Challenger
(trad. Augusto Pacheco Calil)
Cia. das Letras
R$ 37 (376 págs.)
Texto Anterior: Baladas legais Próximo Texto: HQ: Eu, mangá Índice
|