São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2008

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comportamento

Vidas secas

Na seca caatinga, cultura regional se mistura com tecnologia; o Folhateen percorreu cinco cidades do sertão nordestino por onde passou o cangaceiro Lampião para conhecer a vida de quem nasceu lá; saiba o que esses jovens ouvem, como se divertem e o que esperam do futuro

Bruno Henrique Castro/Folha Imagem
Jhones, 16, é parente de Maria Bonita

LETICIA DE CASTRO
ENVIADA ESPECIAL A CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO (SE)

Para ir à escola, Maísa Garcia, 17, não dispensa batom, rímel, pulseira e brincos. "Gosto de me sentir bonita. Se eu não me achar bonita, quem vai achar?" Ela mora em Canindé de São Francisco (SE), a quase 200 quilômetros da capital do Estado, Aracaju, cidade que tem quase 22 mil habitantes (São Paulo, por exemplo, tem 10 milhões).
Maísa namora há mais de dois anos um garoto de 19 e confessa que o romance ainda causa discórdia na família. "Minha mãe implica um pouco com o meu namorado."
Por conta disso, o namoro é à moda antiga. O casal só tem autorização para se encontrar na rua, em frente à casa dela, com a devida supervisão dos pais. "A gente conversa, lancha, beija na boca", resume Maísa. Mas o garoto nunca teve permissão para entrar na casa dela.
Irmão de Maísa, José da Silva Jr., 15, ficou com uma garota pela primeira vez no carnaval deste ano, mas ainda resiste aos compromissos do namoro. "Ela queria me apresentar para a família, mas achei melhor ir com calma, sou muito novo ainda."
Mesmo assim, ele se considera romântico. Adora poesia e é fã de Vinicius de Moraes. "Uma vez até chorei lendo um poema", confessa o garoto.
Na biblioteca da escola em que estuda, em Canindé de São Francisco, Silva Jr. pega até quatro livros por semana para ler e divide o tempo entre a leitura, a TV, os afazeres domésticos e a internet, elemento quase obrigatório, seja em São Paulo ou no sertão nordestino.



DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)

No pequeno povoado rural de Malhada da Caiçara, a 45 km de Paulo Afonso, todo mundo é parente de Maria Bonita, a mulher do cangaceiro Lampião. Foi lá que ela nasceu, em 1911. Recentemente, a casa em que morou virou um museu do cangaço, com fotos do bando de Lampião.
Morador do povoado, Jhones Silva, 16, não tem certeza do grau de parentesco que tem com a musa do cangaço, mas desconfia que sua mãe seja sobrinha da mulher de Lampião.
Mas nem o elo familiar foi suficiente para despertar o interesse do garoto na história do cangaço. "Só sei que eles não eram gente muito boa. Eram violentos", diz o garoto.
Matriculado na sexta série do ensino fundamental em um povoado vizinho, Riacho, Jhones precisa dividir o tempo do estudo com o trabalho. Ele fica oito horas por dia na roça e ganha de R$ 12 a R$ 15 por dia trabalhado. Com o dinheiro, ajuda nas contas de casa e, quando sobra, compra roupas e sapatos. "Sou um pouco vaidoso", admite.
Uma antiga fazenda, o povoado conserva a estrada de terra, e apenas algumas casas espalhadas no meio da paisagem da caatinga. Um bar com uma mesa de sinuca garante a diversão.
Para Jhones, o vilarejo é bom para criar animais e para plantar. "Mas não tem como ganhar dinheiro", diz o garoto, que pretende ir para o Mato Grosso do Sul em busca de trabalho quando tirar o título de eleitor.



DA ENVIADA A PIRANHAS (AL)

Aos 19 anos, Diego Ferreira nunca usou um computador. Não que ele nunca tenha tido acesso à máquina na pequena cidade no sertão de Alagoas onde mora, Piranhas. Pelo contrário. A cidade tem lan houses, muitos de seus amigos são viciados em internet e, como a maioria dos adolescentes, gastam várias horas no Orkut.
Mas Diego garante que nunca se interessou. "Essa história de tecnologia não me atrai muito", diz o garoto, que está no sexto ano do ensino fundamental e quer ser motorista particular "quando crescer".
Para se divertir, Diego gosta de jogar futebol soçaite, pescar e tomar banho no rio São Francisco, que forma uma prainha bem no centro da cidade.

Forró no pé
Assim como toda cidade pacata, Piranha não tem muitas opções de baladas. Mas, quando acontece uma festa no fim de semana, a trilha sonora predominante é o forró.
Uma das mais cidades mais bonitas da região, Piranhas foi tombada e virou patrimônio histórico da União. Ainda hoje conserva a arquitetura colonial dos séculos 18 e 19. (LC)



DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)

Com camiseta do Cansei de Ser Sexy, tênis All Star, cabelos desfiados com gilete e alargadores de orelha, Hudson Juliermes, 22, chama atenção em Paulo Afonso, cidade do sertão baiano que fica a 471 km de Salvador.
Auxiliar administrativo em um indústria de pescados, ele sonha em se mudar para a cidade grande. Vai fazer vestibular para cursos de publicidade em Salvador e Aracaju (SE).
Enquanto não chega a hora, Hudson mata o tempo na internet. Sites de música, Orkut e MSN são as principais diversões. Fã de electro, ele costuma baixar canções de seus artistas preferidos, como Miss Kittin, Fischerspooner e o próprio CSS. Ele está até montando uma banda, Mosh, e quer colocar as músicas no MySpace.
Em Paulo Afonso, que é considerada a capital do sertão baiano e abriga a usina hidrelétrica responsável pelo abastecimento de energia de cerca de 80% da região, Hudson se sente deslocado. "Não me interesso pela cultura do cangaço. Sinto que não faço parte da cidade."
Muitas das histórias de Lampião e Maria Bonita aconteceram em Paulo Afonso. Foi em um povoado a 38 km de lá, chamado Malhada da Caiçara, que a musa do cangaço nasceu.
Diferentemente de Hudson, de quem é amiga, Bruna Cordeiro, 24, gosta da cultura regional e trabalha em uma ONG de tradições locais. Estudante de pedagogia, ela não quer se mudar de Paulo Afonso. Bruna se define como "ecofeminista" (que defende os "direitos das mulheres na perspectiva do ambiente"), se considera uma moça engajada e se incomoda com o machismo e o conservadorismo locais. "É difícil ter uma conversa aberta sobre sexo. Ainda é um tabu", diz.
Na contramão do conservadorismo, Bruna saiu da casa da mãe aos 19 anos, porque queria morar sozinha. "Minha mãe ficou magoada, mas entendeu que eu queria independência."
Da mesma turma, Joice Teixeira, 20, está no meio-termo entre os dois. Não pretende sair de Paulo Afonso, mas se incomoda com a falta de opções de lazer na cidade. "Nossa fuga aqui é a internet", diz a garota, que curte folk e rock indie.
Fuçando na internet, ela se deparou com o trabalho de Bob Dylan. "Gostei do jeito calmo de cantar letras de protesto. Não precisa gritar pra se fazer ouvir", diz Joice. E, apesar de ter aderido à onda neofolk, ela faz questão de frisar: "não simpatizo com a Mallu Magalhães", a paulistana de 15 anos que nunca lançou CD e ganhou notoriedade na internet. (LC)




DA ENVIADA A ÁGUA BRANCA (AL)

Para Jackeline Freire, 15, a desvantagem de morar em uma cidade pequena como Água Branca (AL) -distante 370 quilômetros da capital do Estado- é a falta de privacidade. "Se você fica com alguém em uma festa, no dia seguinte a cidade inteira fica sabe." Solteira, ela gosta de paquerar e acha que um namoro agora atrapalharia sua vida.
"Eu gosto de estudar, quero me dedicar à escola, não tenho tempo pra isso", diz a garota, que pretende fazer faculdade de direito para ser promotora.
Quando não está paquerando nem estudando, Jackeline gosta de navegar na internet e fazer amigos no Orkut.
"Fico lendo o perfil de um monte de gente. Aqueles que têm alguma coisa a ver comigo, eu adiciono", conta.
Amiga de Jackeline, Carleane Alves também se diverte no Orkut e aproveita o site para conhecer pessoas de outras cidades. Um dos amigos virtuais, que mora em Paulo Afonso (BA), foi visitá-la em Água Branca uma vez. "Marcamos um encontro em frente à igreja. A gente conversou, ficou, mas depois virou só amizade", diz a garota, que não tem computador e acessa a internet em uma lan house por R$ 1 a hora.
Ela já foi dançarina de uma banda de forró da cidade e chegou a sonhar com uma carreira de cantora. Hoje, no entanto, prefere ser juíza. "Desisti da carreira artística, era muito puxado", explica.
Há seis meses, Carleane tem um namorado sério, e os encontros do casal são sempre supervisionados pela família da moça. "Ele pode ir na minha casa nos finais de semana, das oito às dez da noite, e a gente só pode namorar no quintal. Às vezes meus pais dão uma espiada pela janela da cozinha para conferir se está tudo bem", diz a garota, que precisou da permissão da família para namorar.
Pedir a mão da garota em namoro para o pai é coisa séria em Água Branca. Como Carleane, Jucimara Santos, 14, também precisou de autorização para namorar e hoje pode receber o namorado em casa até três vezes por semana. "Mas a gente não pode ficar sozinho, meus pais estão sempre por perto."
Diferente das amigas, Jucimara não curte internet. "Prefiro fazer amigos pessoalmente." Ter uma carreira também não é a prioridade da moça. Seu sonho é casar e, quem sabe, morar em outra cidade. (LC)




DA ENVIADA A PETROLÂNDIA (PE)

Quando pensa no futuro, a estudante Sendy Fernanda Santos sonha com desfiles internacionais e o glamouroso mundo da moda. Aspirante a modelo, ela já se arriscou na passarela uma vez, em sua cidade natal, Petrolândia (PE). "Acho muito bonito e dá para viajar o mundo inteiro", diz a garota que se inspira na top Gisele Bündchen.
O dia-a-dia de Fernanda em Petrolândia, no entanto, ainda está longe do mundo da moda. Além de fazer um curso supletivo do ensino fundamental à noite, trabalha no frigorífico do pai durante o dia.
Boa parte do tempo livre ela dedica à internet. Gosta de conhecer gente nova pelo Orkut e pelo MSN e conta que já paquerou garotos de fora pela web. "Eu até tentava marcar encontros mas, quando eu falava onde eu moro, ninguém entendia direito", conta.
Ao perceber que as paqueras virtuais não tinham futuro, a saída foi diminuir um pouco o ritmo da internet. "Eu ficava uma ou duas horas por dia na lan house. Quando vi que não ia dar em nada, resolvi voltar para a aula", admite. (LC)


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