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comportamento
Vidas secas
Na seca caatinga, cultura regional se mistura com
tecnologia; o Folhateen percorreu cinco cidades do sertão
nordestino por onde passou o cangaceiro Lampião para
conhecer a vida de quem nasceu lá; saiba o que esses jovens
ouvem, como se divertem e o que esperam do futuro
Bruno Henrique Castro/Folha Imagem
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Jhones, 16, é parente de Maria Bonita
LETICIA DE CASTRO
ENVIADA ESPECIAL A
CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO (SE)
Para ir à escola, Maísa
Garcia, 17, não dispensa batom, rímel,
pulseira e brincos.
"Gosto de me sentir
bonita. Se eu não me achar bonita, quem vai achar?" Ela mora em Canindé de São Francisco (SE), a quase 200 quilômetros da capital do Estado, Aracaju, cidade que tem quase 22
mil habitantes (São Paulo, por
exemplo, tem 10 milhões).
Maísa namora há mais de
dois anos um garoto de 19 e
confessa que o romance ainda
causa discórdia na família. "Minha mãe implica um pouco
com o meu namorado."
Por conta disso, o namoro é à
moda antiga. O casal só tem autorização para se encontrar na
rua, em frente à casa dela, com
a devida supervisão dos pais. "A
gente conversa, lancha, beija na
boca", resume Maísa. Mas o garoto nunca teve permissão para
entrar na casa dela.
Irmão de Maísa, José da Silva
Jr., 15, ficou com uma garota
pela primeira vez no carnaval
deste ano, mas ainda resiste aos
compromissos do namoro. "Ela
queria me apresentar para a família, mas achei melhor ir com
calma, sou muito novo ainda."
Mesmo assim, ele se considera romântico. Adora poesia e é
fã de Vinicius de Moraes. "Uma
vez até chorei lendo um poema", confessa o garoto.
Na biblioteca da escola em
que estuda, em Canindé de São
Francisco, Silva Jr. pega até
quatro livros por semana para
ler e divide o tempo entre a leitura, a TV, os afazeres domésticos e a internet, elemento quase obrigatório, seja em São Paulo ou no sertão nordestino.
DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)
No pequeno povoado rural de Malhada da Caiçara, a 45 km de Paulo
Afonso, todo mundo é parente
de Maria Bonita, a mulher do
cangaceiro Lampião. Foi lá que
ela nasceu, em 1911. Recentemente, a casa em que morou virou um museu do cangaço, com
fotos do bando de Lampião.
Morador do povoado, Jhones
Silva, 16, não tem certeza do
grau de parentesco que tem
com a musa do cangaço, mas
desconfia que sua mãe seja sobrinha da mulher de Lampião.
Mas nem o elo familiar foi suficiente para despertar o interesse do garoto na história do
cangaço. "Só sei que eles não
eram gente muito boa. Eram
violentos", diz o garoto.
Matriculado na sexta série do
ensino fundamental em um povoado vizinho, Riacho, Jhones
precisa dividir o tempo do estudo com o trabalho. Ele fica oito
horas por dia na roça e ganha de
R$ 12 a R$ 15 por dia trabalhado. Com o dinheiro, ajuda nas
contas de casa e, quando sobra,
compra roupas e sapatos. "Sou
um pouco vaidoso", admite.
Uma antiga fazenda, o povoado conserva a estrada de terra,
e apenas algumas casas espalhadas no meio da paisagem da
caatinga. Um bar com uma mesa de sinuca garante a diversão.
Para Jhones, o vilarejo é bom
para criar animais e para plantar. "Mas não tem como ganhar
dinheiro", diz o garoto, que
pretende ir para o Mato Grosso
do Sul em busca de trabalho
quando tirar o título de eleitor.
DA ENVIADA A PIRANHAS (AL)
Aos 19 anos, Diego Ferreira nunca usou um computador. Não que ele
nunca tenha tido acesso à máquina na pequena cidade no
sertão de Alagoas onde mora,
Piranhas. Pelo contrário. A cidade tem lan houses, muitos de
seus amigos são viciados em internet e, como a maioria dos
adolescentes, gastam várias horas no Orkut.
Mas Diego garante que nunca se interessou. "Essa história
de tecnologia não me atrai muito", diz o garoto, que está no
sexto ano do ensino fundamental e quer ser motorista particular "quando crescer".
Para se divertir, Diego gosta
de jogar futebol soçaite, pescar
e tomar banho no rio São Francisco, que forma uma prainha
bem no centro da cidade.
Forró no pé
Assim como toda cidade pacata, Piranha não tem muitas
opções de baladas. Mas, quando acontece uma festa no fim
de semana, a trilha sonora predominante é o forró.
Uma das mais cidades mais
bonitas da região, Piranhas foi
tombada e virou patrimônio
histórico da União. Ainda hoje
conserva a arquitetura colonial
dos séculos 18 e 19.
(LC)
DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)
Com camiseta do Cansei
de Ser Sexy, tênis All
Star, cabelos desfiados
com gilete e alargadores de orelha, Hudson Juliermes, 22, chama atenção em Paulo Afonso,
cidade do sertão baiano que fica
a 471 km de Salvador.
Auxiliar administrativo em
um indústria de pescados, ele
sonha em se mudar para a cidade grande. Vai fazer vestibular
para cursos de publicidade em
Salvador e Aracaju (SE).
Enquanto não chega a hora,
Hudson mata o tempo na internet. Sites de música, Orkut e
MSN são as principais diversões. Fã de electro, ele costuma
baixar canções de seus artistas
preferidos, como Miss Kittin,
Fischerspooner e o próprio
CSS. Ele está até montando
uma banda, Mosh, e quer colocar as músicas no MySpace.
Em Paulo Afonso, que é considerada a capital do sertão
baiano e abriga a usina hidrelétrica responsável pelo abastecimento de energia de cerca de
80% da região, Hudson se sente
deslocado. "Não me interesso
pela cultura do cangaço. Sinto
que não faço parte da cidade."
Muitas das histórias de Lampião e Maria Bonita aconteceram em Paulo Afonso. Foi em
um povoado a 38 km de lá, chamado Malhada da Caiçara, que
a musa do cangaço nasceu.
Diferentemente de Hudson,
de quem é amiga, Bruna Cordeiro, 24, gosta da cultura regional e trabalha em uma ONG
de tradições locais. Estudante
de pedagogia, ela não quer se
mudar de Paulo Afonso. Bruna
se define como "ecofeminista"
(que defende os "direitos das
mulheres na perspectiva do
ambiente"), se considera uma
moça engajada e se incomoda
com o machismo e o conservadorismo locais. "É difícil ter
uma conversa aberta sobre sexo. Ainda é um tabu", diz.
Na contramão do conservadorismo, Bruna saiu da casa da
mãe aos 19 anos, porque queria
morar sozinha. "Minha mãe ficou magoada, mas entendeu
que eu queria independência."
Da mesma turma, Joice Teixeira, 20, está no meio-termo
entre os dois. Não pretende sair
de Paulo Afonso, mas se incomoda com a falta de opções de
lazer na cidade. "Nossa fuga
aqui é a internet", diz a garota,
que curte folk e rock indie.
Fuçando na internet, ela se
deparou com o trabalho de Bob
Dylan. "Gostei do jeito calmo
de cantar letras de protesto.
Não precisa gritar pra se fazer
ouvir", diz Joice. E, apesar de
ter aderido à onda neofolk, ela
faz questão de frisar: "não simpatizo com a Mallu Magalhães", a paulistana de 15 anos
que nunca lançou CD e ganhou
notoriedade na internet.
(LC)
DA ENVIADA A ÁGUA BRANCA (AL)
Para Jackeline Freire, 15,
a desvantagem de morar
em uma cidade pequena
como Água Branca (AL) -distante 370 quilômetros da capital do Estado- é a falta de privacidade. "Se você fica com alguém em uma festa, no dia seguinte a cidade inteira fica sabe." Solteira, ela gosta de paquerar e acha que um namoro
agora atrapalharia sua vida.
"Eu gosto de estudar, quero
me dedicar à escola, não tenho
tempo pra isso", diz a garota,
que pretende fazer faculdade
de direito para ser promotora.
Quando não está paquerando
nem estudando, Jackeline gosta de navegar na internet e fazer amigos no Orkut.
"Fico lendo o perfil de um
monte de gente. Aqueles que
têm alguma coisa a ver comigo,
eu adiciono", conta.
Amiga de Jackeline, Carleane Alves também se diverte no
Orkut e aproveita o site para
conhecer pessoas de outras cidades. Um dos amigos virtuais,
que mora em Paulo Afonso
(BA), foi visitá-la em Água
Branca uma vez. "Marcamos
um encontro em frente à igreja.
A gente conversou, ficou, mas
depois virou só amizade", diz a
garota, que não tem computador e acessa a internet em uma
lan house por R$ 1 a hora.
Ela já foi dançarina de uma
banda de forró da cidade e chegou a sonhar com uma carreira
de cantora. Hoje, no entanto,
prefere ser juíza. "Desisti da
carreira artística, era muito puxado", explica.
Há seis meses, Carleane tem
um namorado sério, e os encontros do casal são sempre supervisionados pela família da
moça. "Ele pode ir na minha casa nos finais de semana, das oito às dez da noite, e a gente só
pode namorar no quintal. Às
vezes meus pais dão uma espiada pela janela da cozinha para
conferir se está tudo bem", diz a
garota, que precisou da permissão da família para namorar.
Pedir a mão da garota em namoro para o pai é coisa séria em
Água Branca. Como Carleane,
Jucimara Santos, 14, também
precisou de autorização para
namorar e hoje pode receber o
namorado em casa até três vezes por semana. "Mas a gente
não pode ficar sozinho, meus
pais estão sempre por perto."
Diferente das amigas, Jucimara não curte internet. "Prefiro fazer amigos pessoalmente." Ter uma carreira também
não é a prioridade da moça. Seu
sonho é casar e, quem sabe, morar em outra cidade.
(LC)
DA ENVIADA A PETROLÂNDIA (PE)
Quando pensa no futuro,
a estudante Sendy Fernanda Santos sonha
com desfiles internacionais e o
glamouroso mundo da moda.
Aspirante a modelo, ela já se arriscou na passarela uma vez,
em sua cidade natal, Petrolândia (PE). "Acho muito bonito e
dá para viajar o mundo inteiro",
diz a garota que se inspira na
top Gisele Bündchen.
O dia-a-dia de Fernanda em
Petrolândia, no entanto, ainda
está longe do mundo da moda.
Além de fazer um curso supletivo do ensino fundamental à
noite, trabalha no frigorífico do
pai durante o dia.
Boa parte do tempo livre ela
dedica à internet. Gosta de conhecer gente nova pelo Orkut e
pelo MSN e conta que já paquerou garotos de fora pela web.
"Eu até tentava marcar encontros mas, quando eu falava onde eu moro, ninguém entendia
direito", conta.
Ao perceber que as paqueras
virtuais não tinham futuro, a
saída foi diminuir um pouco o
ritmo da internet. "Eu ficava
uma ou duas horas por dia na
lan house. Quando vi que não ia
dar em nada, resolvi voltar para
a aula", admite.
(LC)
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