São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

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MUNDO

Um ano após a morte de 194 pessoas, a maioria adolescentes, em desastre num clube noturno de Buenos Aires, cena rock da cidade tenta se levantar, entre as novas leis e o medo dos pais

Um ano de silêncio

France Presse
Tênis e objetos dos jovens que estavam na boate Cromagnon, no dia da tragédia


FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Tênis chamuscados, postos lado a lado, fotos, camisas de clubes de futebol, terços. No sábado, 3 de dezembro, à noite, um casal rezava diante dos objetos, espécie de memorial permanente das 194 pessoas, a maioria jovens fãs de rock, que morreram no incêndio na boate Republica Cromagnon, em Buenos Aires.
No dia 30 de dezembro, a tragédia completa um ano. Os que morreram por queimaduras ou asfixiados pela fumaça na casa de show assistiam à banda de rock Los Callejeros. Alguém lançou um fogo de artifício, o fogo se alastrou por colchões que havia no teto. Na fuga, o público topou com portas de emergência fechadas com cadeados.
Até hoje, a rua da boate, no bairro de classe média baixa Once, permanece fechada. Todas as quintas há missa no lugar e a cada dia 30 há passeatas de familiares por justiça. O prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, está afastado, ameaçado de impeachment por causa das mortes. A banda acabou e os integrantes, junto com o administrador da República Cromagnon, que está preso, respondem na Justiça pela tragédia.
Quase um ano depois, o que Folha ouviu de jovens, produtores de banda e donos de bares é que a vida noturna de Buenos Aires não é mais a mesma e ainda não se recuperou totalmente da tragédia. Quem mais perdeu espaço foi a cena independente, em geral, e o rock, em particular.
Muitas casas fecharam porque não conseguiram se ajustar às novas regras de segurança e à maior fiscalização depois do incêndio (leia ao lado). Além disso, as entradas ficaram mais caras. Na rotina dos jovens, aumentou a segurança mas também a vigilância dos pais e a cobrança por identidade na porta.
"Muita coisa que fechou não voltou, agora mais shows são feitos em teatros", diz Mathias Meccy, 25, um dos sobreviventes da tragédia, que a reportagem encontrou próximo ao memorial.
"Somos um grupo de quase 30 sobreviventes, que passamos por aqui, fazemos vigília", completa ele, que é vendedor de sanduíches na praça do Once. Ele conta que muitos se encontram ainda e até combinam saídas. E vocês freqüentam shows? "Amanhã vou no dos Gardelitos", conta.
A Folha deixa o Once e se dirige à porta de um megafestival, como no Brasil, promovido por empresas de telefonia. A principal atração da noite é a banda oitentista Duran Duran. "Os lugares aos quais eu ia voltaram a abrir. Mas, neste ano, fomos mais para festas de formandos do que para boates, pois agora eles pedem identidade na porta e não deixam os menores de idade entrarem", diz Olivia Peralta, 16, que se diz "mais para pop do que para rock" e que nunca gostou dos Callejeros.
No dia seguinte, o show da banda Los Gardelitos demonstra o que é a cena rock depois de Cromagnon. A banda, de sucesso no subúrbio mas sem mídia nacional, se apresenta num teatro para 1.800 pessoas no bairro de Flores. Forte fiscalização, ambulância permanentemente na porta.
Na platéia, Alan Plam, 16, diz que os pais, após a tragédia, "incomodam mais". Mesmo assim, conta, ele "sai do mesmo jeito que antes". ""O que aconteceu é que as entradas custavam 8 pesos [quase US$ 3] agora custam 15", diz.

Pais
"Hoje os pais ainda perguntam com quem você vai, com quem você volta, e querem também saber se tem saída de emergência, se usam bengala", diz Ana Alvarez, 20.
Bengala é o nome do fogo de artifício popular tanto entre torcedores de futebol como fãs de rock -na Argentina, as culturas futebolísticas e roqueira são bem misturadas e antes do show dos Gardelitos, o público cantava como num estádio.
O incêndio em Cromagnon foi provocado por bengalas. Agora, é proibido entrar nos locais com qualquer tipo de fogo de artifício ou com bandeiras. Para Pablo Lopez, 22, a proibição tirou "o folclore do rock".
Ele diz ter uma banda, La Francisca, e que não recusa a tese de que a cena do rock ainda não se recuperou da tragédia. "Tudo segue igual. A coisa de proibir bandeira tira um pouco do folclore do rock. Mas dinheiro se arranja, lugar se arranja. Nossa vida é o rock, anota essa frase aí..."


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