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MUNDO
Um ano após a morte de 194 pessoas, a maioria adolescentes, em desastre num clube noturno de Buenos Aires, cena rock da cidade tenta se levantar, entre as novas leis e o medo dos pais
Um ano de silêncio
France Presse
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Tênis e objetos dos jovens que estavam na boate Cromagnon, no dia da tragédia |
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
Tênis chamuscados, postos lado a lado, fotos, camisas de clubes de futebol, terços. No sábado, 3 de dezembro, à noite, um casal rezava diante dos objetos, espécie de memorial permanente das
194 pessoas, a maioria jovens fãs de rock,
que morreram no incêndio na boate Republica Cromagnon, em Buenos Aires.
No dia 30 de dezembro, a tragédia completa um ano. Os que morreram por queimaduras ou asfixiados pela fumaça na casa
de show assistiam à banda de rock Los Callejeros. Alguém lançou um fogo de artifício, o fogo se alastrou por colchões que havia no teto. Na fuga, o público topou com
portas de emergência fechadas com cadeados.
Até hoje, a rua da boate, no bairro de classe média baixa Once, permanece fechada.
Todas as quintas há missa no lugar e a cada
dia 30 há passeatas de familiares por justiça. O prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, está afastado, ameaçado de impeachment por causa das mortes. A banda acabou e os integrantes, junto com o administrador da República Cromagnon, que está
preso, respondem na Justiça pela tragédia.
Quase um ano depois, o que Folha ouviu
de jovens, produtores de banda e donos de
bares é que a vida noturna de Buenos Aires
não é mais a mesma e ainda não se recuperou totalmente da tragédia. Quem mais
perdeu espaço foi a cena independente, em
geral, e o rock, em particular.
Muitas casas fecharam porque não conseguiram se ajustar às novas regras de segurança e à maior fiscalização depois do incêndio (leia ao lado). Além disso, as entradas ficaram mais caras. Na rotina dos jovens, aumentou a segurança mas também a
vigilância dos pais e a cobrança por identidade na porta.
"Muita coisa que fechou não voltou, agora mais shows são feitos em teatros", diz
Mathias Meccy, 25, um dos sobreviventes
da tragédia, que a reportagem encontrou
próximo ao memorial.
"Somos um grupo de quase 30 sobreviventes, que passamos por aqui, fazemos vigília", completa ele, que é vendedor de sanduíches na praça do Once. Ele conta que
muitos se encontram ainda e até combinam saídas. E vocês freqüentam shows?
"Amanhã vou no dos Gardelitos", conta.
A Folha deixa o Once e se dirige à porta
de um megafestival, como no Brasil, promovido por empresas de telefonia. A principal atração da noite é a banda oitentista
Duran Duran. "Os lugares aos quais eu ia
voltaram a abrir. Mas, neste ano, fomos
mais para festas de formandos do que para
boates, pois agora eles pedem identidade
na porta e não deixam os menores de idade
entrarem", diz Olivia Peralta, 16, que se diz
"mais para pop do que para rock" e que
nunca gostou dos Callejeros.
No dia seguinte, o show da banda Los
Gardelitos demonstra o que é a cena rock
depois de Cromagnon. A banda, de sucesso
no subúrbio mas sem mídia nacional, se
apresenta num teatro para 1.800 pessoas no
bairro de Flores. Forte fiscalização, ambulância permanentemente na porta.
Na platéia, Alan Plam, 16, diz que os pais,
após a tragédia, "incomodam mais". Mesmo assim, conta, ele "sai do mesmo jeito
que antes". ""O que aconteceu é que as entradas custavam 8 pesos [quase US$ 3] agora custam 15", diz.
Pais
"Hoje os pais ainda perguntam com
quem você vai, com quem você volta, e
querem também saber se tem saída de
emergência, se usam bengala", diz Ana Alvarez, 20.
Bengala é o nome do fogo de artifício popular tanto entre torcedores de futebol como fãs de rock -na Argentina, as culturas
futebolísticas e roqueira são bem misturadas e antes do show dos Gardelitos, o público cantava como num estádio.
O incêndio em Cromagnon foi provocado por bengalas. Agora, é proibido entrar
nos locais com qualquer tipo de fogo de artifício ou com bandeiras. Para Pablo Lopez,
22, a proibição tirou "o folclore do rock".
Ele diz ter uma banda, La Francisca, e que
não recusa a tese de que a cena do rock ainda não se recuperou da tragédia. "Tudo segue igual. A coisa de proibir bandeira tira
um pouco do folclore do rock. Mas dinheiro se arranja, lugar se arranja. Nossa vida é o rock, anota essa frase aí..."
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