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GAME
Conheça o jogo que mistura RPG, realidade virtual e teorias da conspiração; sucesso nos EUA e na Europa, o ARG já chegou ao Brasil
Gincana virtual
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se por acaso você se deparar com alguma informação cifrada e misteriosa
quando estiver navegando pela internet ou andando pela cidade, preste atenção. Você pode estar sendo atraído para o
ainda pouco explorado mundo dos "alternate reality games" (ARGs).
O nome é esquisito, e o significado, mais
complicado ainda. Traduzindo para o português, significa "jogo de realidade alternativa". Na prática, é uma espécie de brincadeira de detetive em que ficção e realidade
se misturam.
Ainda pouco conhecidos no Brasil, os
ARGs já são febre nos EUA e na Europa. O
ponto de partida é uma história de mistério, com vários personagens, originada na
internet. Para avançar, os jogadores devem
resolver enigmas e procurar pistas nas mais
diversas mídias: valem anúncios de jornal,
televisão, a própria rede e até as ruas da cidade.
Geralmente, não há ganhadores, pois, para desvendar o mistério, os jogadores precisam cooperar e trocar informações. "[o
que importa nos] ARGs são a história e a
experiência de decifrar o mistério", diz Jonathan Waite, editor do site www.argn.
com,a maior fonte de informações sobre
ARG na internet.
A primeira experiência desse tipo foi realizada em 2001, nos EUA. Em um trailer
veiculado na internet do filme "Inteligência
Artificial", de Steven Spielberg, um nome
que aparecia nos créditos causou estranhamento: Jeanine Salla, terapeuta de máquinas sensitivas.
O primeiro enigma estava lançado. Como não existem terapeutas de máquinas
sensitivas, os internautas curiosos começaram a vasculhar a rede em busca de informações sobre a misteriosa profissional.
Logo, chegaram a uma espécie de realidade "paralela", situada no ano de 2142, retratada em uma série de sites que abordavam
questões técnicas, filosóficas e sociais relativas ao tema da inteligência artificial, o
mesmo explorado no filme.
Assim começou o primeiro ARG da história. O jogo teve duração de aproximadamente quatro meses e contou com a participação de mais de 7.000 pessoas, que dedicavam muitas horas de seus dias à solução
de enigmas e busca de pistas sobre Jeanine
Salla e os outros personagens que apareceram ao longo da narrativa.
Quase como uma novela, que seduz a audiência com sua trama revelada a conta-gotas, os ARGs conquistaram um público fiel
e começaram a proliferar.
Criadas originalmente como uma ferramenta de marketing para promover lançamentos de grandes empresas (como é o caso do filme "Inteligência Artificial"), eles
logo foram absorvidos pelos internautas e
ganharam versões independentes, feitas
"na raça" por aficionados do gênero.
"Lockjaw" e "Metacortechs" são exemplos de jogos desenvolvidos por fãs, que
não tinham patrocínio e nem o objetivo de
promover algum produto.
O Brasil já entrou nessa onda e, em janeiro, foi lançado o primeiro ARG nacional totalmente independente, criado por três estudantes de Santos, litoral de São Paulo.
"Projeto" (www.argprojeto.rg3.net), como é chamado, conta a história de um homem que trabalha numa empresa de expedição marítima, o grupo GLock, e começa a
notar acontecimentos estranhos na firma.
Ele monta um site para reunir informações
sobre o mistério e recrutar a ajuda de internautas, que são os jogadores-detetives.
"A primeira vez que ouvi falar sobre
ARGs foi através de um brasileiro que mora nos EUA, que conheci na internet e que
participava do jogo inspirado no [filme]
"Matrix" ["Metacortechs"]. Achei interessante e fui pesquisar, mas todos eram escritos em inglês e aconteciam fora do Brasil,
ficava difícil de seguir", diz Leonardo Souza
Pinto, 18, roteirista do jogo.
Estudante e webdesigner, ele costumava
jogar RPG ("role player game") quando era
mais novo, mas nunca foi muito fã de jogos
de computador.
"O ARG é parecido com o RPG , mas a diferença fundamental é que ele usa o mundo
real para interagir com o ficcional. Ele mexe com a sensação de paranóia, com teoria
da conspiração, por isso é divertido", diz.
Muito diferente dos jogos comerciais,
que fazem parte de campanhas de marketing e contam com uma enorme estrutura
de produção, a aventura criada em Santos é
feita de forma totalmente caseira.
Para se ter uma idéia da diferença, a equipe que criou "The Beast" (o jogo derivado do filme "Inteligência Artificial"),
contava com uma equipe de
quase 100 profissionais, entre
roteiristas, designers e atores.
O "Projeto" brasileiro é fruto
da criatividade e do trabalho de
apenas três jovens. Além de Leonardo,
Marcel Tisi, seu primo de 19 anos, e Carlos
Ito, 17, são os responsáveis pela criação e
execução do jogo. "Chego a passar 15 horas
por dia no computador, trabalhando", diz
Leonardo.
Um dos jogos de maior popularidade
atualmente é "Perplex City", criado e desenvolvido na Inglaterra, por uma equipe
de 14 pessoas. A história do cubo que foi
roubado da Academia de Perplex City e enviado à Terra já atraiu mais de 14 mil jogadores, empenhados em descobrir onde está
esse cubo e devolvê-lo.
Segundo seus criadores, a gincana não
tem o objetivo de promover nenhum produto específico, nem faz parte de uma campanha de marketing. Por isso, para participar, os jogadores precisam comprar cartões com as dicas por US$ 5.
Diferentemente da maioria dos ARGs,
"Perplex City" vai premiar o ganhador da
gincana com uma recompensa no valor de
100 mil libras. "Tecnicamente, ganha quem
achar o cubo. No entanto, essa não é exatamente uma situação de perder ou ganhar.
Quem jogar terá contribuído de alguma maneira, feito novos amigos e aprendido coisas
novas. Por isso, acho que ninguém será perdedor", comenta Fiona Silk, funcionária da
empresa Mind Candy, responsável pela
criação e execução do jogo.
A cooperação entre os jogadores é o que
torna difícil premiar um único participante.
Certos enigmas exigem conhecimento de
temas como história da arte, geometria,
geografia, arquitetura, daí a necessidade de
compartilhar informações. É nos fóruns que
a história evolui e o jogo progride.
"É como se eu tivesse os capítulos 1, 3 e 7
de um livro e você, o 2 e o 4. Juntos, nós procuramos na rede quem tem os capítulos 5 e
6. Depois, juntamos tudo e discutimos o significado", diz o escritor Sean Stewart, autor
de oito romances de ficção científica e de
três dos mais famosos ARGs norte-americano, "The Beast", "I Love Bees" e "Last Call
Poker".
Interatividade
Assim como nas nossas novelas alguns
personagens podem ser eliminados se não
fazem sucesso com o público, nos ARGs, a
participação dos jogadores e a opinião do
público em geral são fundamentais para o
desenvolvimento do enredo, que é construído conforme as pessoas vão jogando e desvendando os mistérios.
"É o público que controla o progresso da
história. Como a maioria dos ARGs são
construídos em episódios, podemos ver como as pessoas estão respondendo à história
e ajustá-la. (...) Em um ARG, a história só
pode avançar de acordo com a participação
dos jogadores", diz Sean Stewart.
Uma das primeiras experiências comerciais realizadas no Brasil foi o jogo "Vivo em
Ação". Promovido pela operadora de celular Vivo, ele teve uma edição em 2004 e outra em 2005 e, segundo os organizadores,
conquistou um público de mais de 1 milhão
de pessoas em cada, a maioria dos jogadores
entre 15 e 25 anos. "Criamos uma personagem "do bem", a Julie. Os jogadores gostaram tanto dela que tivemos de ampliar sua
participação na trama", conta Viktor Busch,
um dos roteiristas.
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