São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011

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QUANDO EU TINHA A SUA IDADE

JOSÉ MOJICA MARINS, CINEASTA E ZÉ DO CAIXÃO, 75 ANOS

Eu vi um morto levantar

(...) Todos correram, até o padre. Era catalepsia. Comecei a ver a morte com outros olhos

Arquivo Pessoal
Mojica entre a ex-mulher Rosa e a mãe, Carmen, em 1960

(...) Depoimento a

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO

Um dia o quitandeiro morreu, o que me comoveu muito. No dia do velório, eu chorava às bicas.
De repente, o homem levanta! Correu todo mundo, até o padre. Descobriram que ele tinha catalepsia.
A partir daí, comecei a ver a morte com outros olhos.
Morávamos no fundo do cinema do meu pai, em Vila Anastácio [zona oeste de São Paulo]. Na cena de terror, as moças todas pulavam no braço dos homens. Pensei: "Isso é bom, o caminho é por aí".
Mexia muito comigo o suspense de Hitchcock, o Bela Lugosi [ator de "Drácula"]... Quando era moleque, pedi uma câmera em vez de bicicleta.
Me entusiasmava muito com histórias românticas.
Fiz faroeste também. Tudo o que era lugar esquisito, eu ia. Sempre partia para filmar alguma coisa no cemitério.
O padre achava que era uma doença. Mas tinham que me aguentar. Afinal, eu era filho do gerente que cedia o cinema para a igreja.
Fiz primeira comunhão, mas não gostava. Tive esta revolta que demorou a passar.
Ajudava a acender as velas da igreja. Um dia, fui chamar o padre, e havia uma menininha que eu gostava no quarto dele. Pelada. Aquilo, para mim, foi um escândalo. Amigos falaram que ninguém ia acreditar se eu contasse. Não deu outra.
Sempre acreditei em Deus. Teve uma época em que tentava defendê-lo do Diabo. Com as mulheres eu tinha muita vergonha. Às vezes, uma menina mais aberta, em vez de me incentivar, assustava.
Quando chegava a hora, vinha o medo. Aí eu fugia.
Demorou uns quatro a nos para eu conseguir encarar. A primeira vez foi com uma profissional. Eu,uns 13 anos, e esta mulher, que devia ter uns 27. A garotada fazia fila! Custou aos padres descobrir que ela desencaminhava os meninos de Vila Anastácio.
Acabou expulsa do bairro. O cinema sempre foi minha força. Dizia aos amigos: "Arrumo ingresso para vocês, mas sua irmã precisa fingir que é minha namorada, para eu enciumar outra garota".
Também fui escoteiro e trabalhei fazendo joias e como encanador. Nos anos 50, virei carregador de filmes na Boca do Lixo, onde depois abri um escritório de cinema.
Na época, eu era considerado um cara que estragava tudo, que ia matar os atores com minhas cenas ousadas. O Zé do Caixão nasceu em 11 de outubro de 1963, num pesadelo que me fez andar dormindo. Em poucos dias, comecei a rodar "À Meia Noite Levarei Sua Alma", primeiro filme de terror [do Brasil].
Mostrei que podia não ter estudo, mas tinha vontade.
Mas desde os 18 anos eu já trazia as unhas do polegar longas, por hobby. Quem me incentivou foram as meninas.
Eu abraçava e descia as unhas pelo pescoço, pelas costas. Isso arrepiava elas todas.


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