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HELLO KITTY DESCE AO INFERNO
"Aos Treze" acerta na mira ao mostrar que é impossível ser só legal e sobreviver
Divulgação
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Evan Rachel Wood (à esq.) e Nikki Reed, protagonistas de "Aos Treze" |
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Quais foram os últimos sacrifícios que
você fez só para tentar ficar amigo de
alguém? Provavelmente, você mentiu
um pouquinho sobre o seu gosto musical. Se todo mundo gosta daquela banda,
quem sou eu para não gostar? Também
deve ter mudado algumas vezes o seu jeito de se vestir. Porque, se você não acompanhar a moda, vai ser chamada de cafona. Existe acusação mais grave?
Não se assuste. Todo mundo, alguns
pouco, outros mais, faz esse tipo de coisa.
Mas, às vezes, o buraco é mais embaixo.
E nós acabamos fazendo coisas que realmente nos machucam só para "pegar
bem" com a galera. Não, não tem nada a
ver com aquele papo de mãe sobre o problema de andar com más companhias.
Segundo os psicanalistas, nós fazemos
isso para sermos aceitos. E, mais do que
isso, para ter uma imagem boa diante
dos outros. Isso porque a gente costuma
usar os outros como espelho e, vez ou
outra, cai no pensamento: "Se eles me
acham legal, então eu sou legal", "se eles
me acham péssima, eu sou péssima".
Deu para entender? Isso vai ficar ainda
mais claro se você for assistir ao filme
"Aos Treze", baseado na experiência de
Nikki Reed, atriz e co-roteirista do filme,
que hoje tem 14 anos.
O filme é uma porrada no estômago. E
mostra, por meio da amizade das meninas Evie e Tracy, o que, de fato, nós fazemos por pura necessidade e vontade de
sermos aceitos, aprovados e amados. Em
"Aos Treze", Tracy quer porque quer ficar amiga de Evie, a garota mais popular
da escola.
Mas esqueça qualquer seriado sobre
ser líder de torcida. O negócio aqui é
mais real e mais sério. O que ela mais
quer é ser alguém (ela, que, aos 13, realmente não tem idéia de quem é). A amizade das duas começa depois que Tracy
prova ser legal roubando uma carteira.
Ela e as amigas torram toda a grana comprando aquelas coisas fofas que são feitas
especialmente para teens, como maquiagens com embalagens meigas e roupas,
tudo naquelas lojas que a gente adora.
O consumo é só uma parte disso. Sim,
nós precisamos usar roupa legal para
sermos considerados legais. Mas também acabamos querendo ser como todo
mundo. Isso significa "fazer o que os outros fazem". Ou fingir que faz.
Em um grupo de pessoas avançadinhas, quem é que nunca mentiu (ou omitiu) para sentir que não era pior que os
outros? Não foi nada assim muito grave.
Foi só contar para alguém, por exemplo,
que já tinha transado, apesar de ser virgem. Como eles gostariam de você sabendo que você ainda é virgem?
E provavelmente você, algum dia, acabou bebendo além da conta só porque todo mundo estava bebendo. Ou quem sabe tenha experimentado aquela droga
nova só porque todo mundo faz isso.
Mais uma vez, vamos lembrar que isso
aqui não é papo de mãe. Não estamos falando de "alguém jogar coisas na sua bebida", mas, sim, de você fazer algo só porque o rebanho todo está fazendo.
No filme, a menina busca tão desesperadamente essa aceitação que começa a
se perder muito e muito. Ela compra roupas, cheira cola, briga com a mãe, rouba e
quer ser muito sedutora.
Claro, se você quer ser aceita, tem também de ser amada. E existe maneira mais
eficiente de fazer isso do que usando uma
calça colante, uma blusa curta que deixe a
barriga bem à mostra (de preferência
mostrando um piercing no umbigo)? No
filme, as duas amigas fazem isso. E vão
além, tentando seduzir os garotos. De
preferência os meninos do rap, porque
elas também querem ser "bad girls". Mas
até os manos se assustam. Em uma das
cenas, as duas agarram um garoto e insinuam um "amor a três". O cara, apavorado, foge das duas, deixando as meninas
com muita raiva.
O sexo, ali, é só para "pegar bem com os
outros". Ninguém se envolve com ninguém, e romance é algo que parece não
existir. No desespero, ecoam os gritos de
mãe e filha que não se entendem, mas parecem estar dizendo uma para a outra:
"Pelo amor de Deus, eu existo".
Na falta desse entendimento, o mais
importante acaba sendo a opinião da
amiga, que vai dizer (sem palavras) se você é cool e bonita. Ou seja, se você existe.
O psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Ilustrada, diz que, quando perguntamos a alguém se a nossa roupa está
boa ou se o nosso cabelo é legal, na verdade, estamos perguntando: "Quem eu
sou?". Parece viagem. Mas pense um
pouco e descubra que isso faz sentido.
E, da próxima vez que você for fingir
que gosta do Eminem só porque todo
mundo gosta, pense se não vale a pena
assumir o que gosta de verdade.
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