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Eles tecem o futuro
Jovens fazem balada para deficientes
JULIANO ZAPPIA
free-lance para a Folha
"Pra que manicômio, se a gente
pode fazer festa?", é o que diz uma
placa colorida na entrada de um
belo casarão reformado, na rua
Itapeva, pertinho da av. Paulista.
Lá dentro, no último dia 27,
aconteceu mais uma superfesta,
que tem como objetivo demolir
os altos muros construídos pela
sociedade para isolar a loucura do
convívio social. Trata-se do Multiplacidade.
Essas festas, que acontecem no
Caps (Centro de Atenção Psicossocial) Luis da Rocha Cerqueira,
têm como convidados os próprios doentes mentais atendidos
pelo centro e o público em geral.
Organizadas em conjunto com a
ONG Associação Franco Basaglia,
elas misturam performances teatrais, instalações, exposições de
arte, exibições de vídeo, desfile de
moda, serviços de saúde mental,
mercado de roupas e shows -a
batucada dos Meninos do Morumbi foi o ponto alto da última
festa. O que esses eventos pretendem é a integração do paciente
com o frequentador e o intercâmbio social.
Essa possibilidade -um serviço de saúde mental se transformar num centro conscientizador
e produtor de cultura- acabou
atraindo a atenção de vários jovens, que começaram a colaborar
das mais diversas formas.
Carlos Freitas Gomes de Pinho,
24, recém-formado em desenho
industrial, é um deles. "Sempre
quis ajudar uma ONG, e essa história toda de integrar pacientes
esquizofrênicos na sociedade me
convenceu por completo." Carlos
participou da criação do logotipo
da festa e da construção do site do
Multiplacidade.
"Trazer os loucos à vista da sociedade promove uma interação
em que você pode desenvolver
um sentido de tolerância, de respeito. Faz você não acreditar na
idéia de que os loucos têm que ficar trancados", diz Thaís Teixeira,
24, estudante de psicologia e uma
das participantes do projeto.
Juliana Ayres Felisardo, 21, também estudante de psicologia, fez
uma apresentação de dança circular e trabalhou na bilheteria da
festa. Antes promoveu uma forma curiosa de divulgação, levando alguns pacientes à avenida
Paulista com cartazes da festa.
"Eu acho superimportante a
participação do jovem porque você desenvolve a idéia de tolerância
com o deficiente mental desde cedo. É muito mais fácil do que você
ficar insistindo mais tarde", diz
Thaís. Ela participou do desfile de
moda e enfeitou o casarão.
"Trouxemos toda essa diversidade da cidade para dentro do
manicômio. O Multiplacidade foi
reunindo as pessoas e estimulando um processo em que todos começaram a rever conceitos, preconceitos, valores e normas", diz
o médico Jonas Melman, um dos
criadores do Multiplacidade. "Até
que conseguimos essa abertura
toda. A festa, agora, é pra todos!"
E é mesmo. Na última, drag
queens, dançarinas, malabaristas,
artistas plásticos, psicólogos, vendedores de roupas, funcionários,
estudantes, pacientes e curiosos
fundiram-se no ambiente festivo
do casarão tão harmoniosamente
que ficou difícil diferenciar o louco do são.
E, para os pacientes, funciona?
Adriana Barbosa, 23, também
estagiária no Caps, conta que "na
semana da festa é incrível, fica todo mundo contagiado pelo clima.
Falei hoje com um paciente que
estava muito mal na semana passada, e agora ele está superfeliz,
abraçando todo mundo".
Quem quiser fazer parte dos
próximos eventos deve entrar em
contato com o grupo por meio do
site www.multiplacida
de.org.br ou com a Associação
Franco Basaglia, pelo telefone 0/
xx/11/284-4474.
"Cada pessoa pode se inserir no
movimento de um jeito particular, com o próprio talento. Não há
nenhuma exigência prévia", avisa
Jonas.
"Multiplacidade. Onde o que é aparentemente
'insano' se funde ao são, ao normal. Festa das vivências diferenciadas, onde há uma troca entre
tudo e todos. Festa das disparidades? Talvez,
mas, afinal de contas, ninguém é igual a ninguém. A noite é uma criança, e a festa segue madrugada adentro. Música, luzes, movimento e
muito agito. Assim é a nossa festa."
Adriano, paciente do Caps
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