São Paulo, Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999


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Eles tecem o futuro
Jovens fazem balada para deficientes

JULIANO ZAPPIA
free-lance para a Folha

"Pra que manicômio, se a gente pode fazer festa?", é o que diz uma placa colorida na entrada de um belo casarão reformado, na rua Itapeva, pertinho da av. Paulista.
Lá dentro, no último dia 27, aconteceu mais uma superfesta, que tem como objetivo demolir os altos muros construídos pela sociedade para isolar a loucura do convívio social. Trata-se do Multiplacidade.
Essas festas, que acontecem no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) Luis da Rocha Cerqueira, têm como convidados os próprios doentes mentais atendidos pelo centro e o público em geral. Organizadas em conjunto com a ONG Associação Franco Basaglia, elas misturam performances teatrais, instalações, exposições de arte, exibições de vídeo, desfile de moda, serviços de saúde mental, mercado de roupas e shows -a batucada dos Meninos do Morumbi foi o ponto alto da última festa. O que esses eventos pretendem é a integração do paciente com o frequentador e o intercâmbio social.
Essa possibilidade -um serviço de saúde mental se transformar num centro conscientizador e produtor de cultura- acabou atraindo a atenção de vários jovens, que começaram a colaborar das mais diversas formas.
Carlos Freitas Gomes de Pinho, 24, recém-formado em desenho industrial, é um deles. "Sempre quis ajudar uma ONG, e essa história toda de integrar pacientes esquizofrênicos na sociedade me convenceu por completo." Carlos participou da criação do logotipo da festa e da construção do site do Multiplacidade.
"Trazer os loucos à vista da sociedade promove uma interação em que você pode desenvolver um sentido de tolerância, de respeito. Faz você não acreditar na idéia de que os loucos têm que ficar trancados", diz Thaís Teixeira, 24, estudante de psicologia e uma das participantes do projeto.
Juliana Ayres Felisardo, 21, também estudante de psicologia, fez uma apresentação de dança circular e trabalhou na bilheteria da festa. Antes promoveu uma forma curiosa de divulgação, levando alguns pacientes à avenida Paulista com cartazes da festa.
"Eu acho superimportante a participação do jovem porque você desenvolve a idéia de tolerância com o deficiente mental desde cedo. É muito mais fácil do que você ficar insistindo mais tarde", diz Thaís. Ela participou do desfile de moda e enfeitou o casarão.
"Trouxemos toda essa diversidade da cidade para dentro do manicômio. O Multiplacidade foi reunindo as pessoas e estimulando um processo em que todos começaram a rever conceitos, preconceitos, valores e normas", diz o médico Jonas Melman, um dos criadores do Multiplacidade. "Até que conseguimos essa abertura toda. A festa, agora, é pra todos!"
E é mesmo. Na última, drag queens, dançarinas, malabaristas, artistas plásticos, psicólogos, vendedores de roupas, funcionários, estudantes, pacientes e curiosos fundiram-se no ambiente festivo do casarão tão harmoniosamente que ficou difícil diferenciar o louco do são.
E, para os pacientes, funciona? Adriana Barbosa, 23, também estagiária no Caps, conta que "na semana da festa é incrível, fica todo mundo contagiado pelo clima. Falei hoje com um paciente que estava muito mal na semana passada, e agora ele está superfeliz, abraçando todo mundo".
Quem quiser fazer parte dos próximos eventos deve entrar em contato com o grupo por meio do site www.multiplacida de.org.br ou com a Associação Franco Basaglia, pelo telefone 0/ xx/11/284-4474.
"Cada pessoa pode se inserir no movimento de um jeito particular, com o próprio talento. Não há nenhuma exigência prévia", avisa Jonas.



"Multiplacidade. Onde o que é aparentemente 'insano' se funde ao são, ao normal. Festa das vivências diferenciadas, onde há uma troca entre tudo e todos. Festa das disparidades? Talvez, mas, afinal de contas, ninguém é igual a ninguém. A noite é uma criança, e a festa segue madrugada adentro. Música, luzes, movimento e muito agito. Assim é a nossa festa."

Adriano, paciente do Caps


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