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Hunters falsos surgem no Brasil
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Em preparação a uma reportagem que fiz para a TV sobre o escritor americano
Hunter S. Thompson, que
se suicidou há três semanas, voltei a mergulhar no universo alucinado da figura. Reli livros, viajei numa
excelente coletânea de cartas ("The
Proud Highway"), peguei de novo duas
biografias ("The Strange and Terrible
Saga of Hunter S. Thompson", de Paul
Perry, e "Hunter", de E. Jean Carroll). E,
é claro, naveguei pela internet, onde
acabei descobrindo muitos brasileiros
"influenciados" por HST.
Essa suposta influência é, por um lado, positiva e não chega a ser incomum
(nos países de língua inglesa, todo jornalista com aspirações literárias se
abastece de idéias do arsenal de Hunter, assim como a geração de Hunter se espelhou em Ernest Hemingway, que também se suicidou com 60 e alguns anos).
Mas, voltando aos brasileiros, nessa pesquisa pela internet, fiquei sabendo que,
até pouco tempo atrás, só um livro de Hunter tinha saído aqui: "Fear and Loathing in Las Vegas", com o nome de "Las Vegas na Cabeça". Já era difícil achar na
época (anos 80), hoje nem se fala. Agora, a Conrad publica também "A Grande
Caçada aos Tubarões" e "Hell's Angels, Medo e Delírio sobre Duas Rodas".
Com pouca coisa em português, será que Hunter pode mesmo ser tão influente no Brasil? Numa primeira impressão, sim. Afinal, existem até sites brasileiros
de jornalismo gonzo (o estilo doidão de reportagem, inventado por HST). Mas
um olhar um pouco mais atento escancara a farsa. Não quero dar nomes nem
massacrar a carreira de ninguém -acredito sinceramente que, com o tempo, alguns desses gonzos brasileiros podem manifestar algum talento.
Mas o que vi na internet -blogs pessoais, contos, histórias curtas, trechos de
romances já publicados (!!)- é apavorante. Textos primários, toscos, de gente
cujo problema não é só nunca ter lido Hunter S. Thompon. É nunca ter lido nada, ponto final.
Em 1993, século passado, escrevi um longo texto sobre HST para a hoje extinta
revista "General". A "General" foi para o jornalismo cultural brasileiro o que o
Velvet Underground foi para o rock americano. Pouca gente leu, mas quem leu
tomou uma atitude e se virou na vida.
Deve ser pretensão minha, mas realmente tenho a impressão de que esses gonzos brasileiros viram só a "General", aprenderam que Hunter era um bêbado e
drogado e decidiram seguir a linha.
Só esqueceram uma coisa: com a mesma voracidade com que bebia e se drogava, Hunter lia. E lia tanto e tão desesperadamente que chegou a redatilografar livros inteiros de seu ídolos, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, só para reproduzir a sensação de escrever tão bem.
Nossos medíocres gonzos locais ainda têm de aprender essa lição. Quem não
leu nada não pode escrever bem. Não se faz literatura de orelhada.
@ - cby2k@uol.com.br
Excepcionalmente, hoje não é publicada a seção "CD player".
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