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POLÍTICA
Começar de novo
Refugiados no Brasil contam histórias de dificuldades e de esperança
Rafael Andrade/Folha Imagem
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"Para mim, o Brasil é Vida" Yauery Cristóvão, 20, de Angola
TARSO ARAUJO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Minha mãe não tinha como
criar os filhos no meio de uma guerra civil", diz o angolano Yauery, 20.
Na antiga Iugoslávia, o pai de
Ana, 21, e Helena, 23, sofria
ameaças no Exército.
Já na Colômbia, os pais de
Yessica, 20, e Yira, 22, temiam
terroristas onde moravam.
E, durante a guerra civil na
Costa do Marfim, Larissa, 15,
não podia nem ir à escola.
Variados perigos, em diversos lugares do mundo e em diferentes épocas. Um destino
em comum: o refúgio no Brasil.
Livres das ameaças que os fizeram sair de casa, surge outro
desafio: começar uma vida do
zero, em um novo país, com outra cultura e, na maioria dos casos, outro idioma.
A língua, aliás, é uma barreira
e tanto. "O português tem uma
gramática muito complexa. No
início, não dava para acompanhar", diz a colombiana Yessica
Cortés. E olha que sua língua-mãe é o "hermano" espanhol.
Nesse quesito, Ana e Helena
Sebescen deram mais sorte,
apesar de falarem a língua sérvia, porque chegaram a São
Paulo com quatro e seis anos,
respectivamente.
"Fomos alfabetizadas em
português, então foi mais fácil",
diz Helena. Só para elas.
"Meu pai ainda tem sotaque
forte. E, às vezes, tira dúvida
com a gente." Até hoje é comum conversarem em dois
idiomas ao mesmo tempo: ele
em sérvio, elas em português.
Preconceito e xenofobia
Como vem de Angola, ex-
colônia lusa, Yauery Cristóvão
não enfrentou a dificuldade do
idioma. Mas teve outras.
"No começo, meus colegas de
escola diziam que eu era sujo,
que na África não se tomava banho", diz. Sua sorte foi que uma
prima, também refugiada, mais
velha e bem maior, estudava na
mesma escola, no Rio de Janeiro. "Quando alguém mexia com
a gente, ela nos defendia."
A marfinesa Larissa Edy
também entrou em brigas no
colégio por não tolerar o racismo dos colegas na escola pública onde estudou nos primeiros
anos em São Paulo, na zona leste. "Me chamavam de macaco."
Mesmo com olhos azuis e cabelos loiros, Ana e Helena também eram discriminadas pelos
colegas. "Eu era tratada de modo diferente por não ser brasileira. Não tinha amigos na escola quando era pequena", diz
Helena, que se considera uma
pessoa muito tímida em parte
por causa desse trauma.
O simples desconhecimento
das pessoas sobre o que é um
refugiado (veja ao lado) gera situações constrangedoras.
"Uma vez contei que era refugiada e me perguntaram se
minha família tinha matado alguém, se tinha cometido algum
crime", diz Yessica. "Nunca
mais disse ser refugiada."
Paz e amor
Superadas as dificuldades
iniciais, os refugiados pouco a
pouco vão se "abrasileirando".
"Eu me considero brasileira.
Cresci e estudei aqui, namoro
um brasileiro...", diz Helena.
Larissa parece não ter a mesma sorte, porque a mãe não deixa. E a torcedora do São Paulo
está divida sobre para quem
torcer na Copa de 2010.
"Se o Brasil ganhar, está bom.
Se a Costa do Marfim ganhar,
também", diz ela. Os dois países
irão se enfrentar na primeira
fase do torneio.
Yessica acaba de fazer Enem,
como a maioria dos brasileiros
de sua idade. Quer fazer engenharia ou economia e não pensa em voltar para a Colômbia.
"As oportunidades que terei
aqui serão melhores do que as
que teria lá", diz. Mudança, só
se for de Tatuí (interior de SP),
onde vive, para a capital.
Já Yauery, flamenguista com
sotaque carioca e namorado de
uma brasileira há 15 meses,
pensa diferente.
"Aqui é minha "base". Vi como
os brasileiros amam o Brasil e
aprendi a pensar assim, só que
em relação a Angola. E, agora, a
guerra lá acabou. Então, quando terminar meus estudos,
quero participar da reconstrução do meu país,", diz o estudante de administração.
E a namorada? "Ela diz que
tudo bem, desde que vá junto."
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