|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
quadrinhos
América dos fracassados
O anti-herói americano Harvey Pekar, que tem álbum em conjunto com Robert Crumb lançado agora no Brasil, fala ao Folhateen sobre sua vidinha mais ou menos
CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ele é autor de uma série de quadrinhos,
"American Esplendor", que se tornou
um fenômeno cultural, publicada em 25 países. A
série virou filme, vencedor do
Festival de Sundance em 2003,
e por aqui ganhou o nome de
"Anti-Herói Americano".
Essa é a essência de Harvey
Pekar, 67, um cara que não quer
se enquadrar no estilo de vida
globalizado e tenta ganhar a vida com seu jeitão de perdedor.
Harvey, 67, nasceu na pequena cidade americana de Cleveland (Ohio) onde vive até hoje.
Tornou-se celebridade com
suas histórias em quadrinhos
baseadas em si mesmo e em seu
cotidiano, desenhadas por vários cartunistas, entre eles seu
amigo Robert Crumb.
A série, que acaba de completar 30 anos, ganhou recentemente uma edição com suas
primeiras histórias, desenhadas por Crumb, "Bob & Harv
-Dois Anti-Heróis Americanos" (Conrad Editora, 104
págs., R$ 33). De sua casa, por
telefone, o escritor falou ao Folhateen sobre seu tema preferido, a vida comum.
FOLHA - Como surgem suas histórias?
HARVEY PEKAR - Minha inspiração vem de minhas reclamações. Faço isso há muito tempo
e acabei ficando perito nessa
função. Meu universo é a vida
mundana, real. A escolha da fila
certa em um supermercado, a
rotina maçante no trabalho, a
falta de dinheiro. No lugar de
vilões ou heróis, falo de pessoas
comuns com seus dilemas, manias e bizarrices. Já trabalhei
como arquivista de um hospital, do qual extraí momentos
lancinantes, cômicos e, principalmente, verdadeiros. Tudo
o que eu faço é autobiográfico. E quanto mais
insignificante a situação
é para os outros, mais
importante é para
mim.
FOLHA - Seus personagens são esquisitos e
cheios de manias. Você
também é, não?
PEKAR - Sou um maluco, completamente obsessivo. Todos
os dias, saio da cama
e pergunto: "Hmm, o
que vai dar errado hoje?" Teve uma noite
em que meus óculos
quebraram. Passei a madrugada inteira tentando
consertá-los. Poderia ter
feito como qualquer pessoa
normal, ou seja, ter ido dormir e, no dia seguinte, resolver o problema. Mas
não consigo, não é racional. Há uns dez anos,
tomo remédios para
controlar essas maluquices. Não sei se
eles estão surtindo
efeito. Mas também não vou parar
de tomar para sentir a diferença. Deixe como está.
FOLHA - E a mania dos discos?
PEKAR - Tinha uns discos de
1923, mas tive que me desfazer,
não tenho mais lugar para
guardar em casa. Aqui só cabem meus livros e meu material de trabalho. Minha mulher
é doida, me fez pôr tudo fora.
Tenho alguns CDs, mas são
poucos, porque são caros. Prefiro eles aos vinis: são pequenos
e não têm aqueles ruídos e chiados malditos das bolachas.
FOLHA - Depois que o cartunista
Robert Crumb desenhou suas histórias, o sucesso aumentou. Como é
sua relação com ele atualmente?
PEKAR - Crumb e eu somos
amigos, grandes amigos. Mas a
gente nunca conversa. Ele não
me liga, porque é um ermitão
recluso. E eu não posso ligar para ele porque é caro demais.
FOLHA - O sucesso deve ser uma
droga, não?
PEKAR - Olha, meu trabalho já
foi traduzido em 25 idiomas.
Mas não gosto disso. Escrevo
em inglês, meu idioma é o inglês. Minha vida acontece em
inglês e, se as pessoas querem
saber o que escrevo, o que eu vivo, têm que saber inglês. De
qualquer forma, acho bom que
ainda existam pessoas interessadas no que faço. Assim, ganho
um pouquinho de dinheiro.
FOLHA - E a vida de casado, também é ruim?
PEKAR - Sou casado há 23 anos.
Mas não sei por que minha mulher ainda está comigo. Não sei
se eu estaria com alguém assim,
feito eu. Eu me esqueço de tudo: não me lembro de nomes,
não me lembro de onde ponho
as coisas, não me lembro do que
tenho de fazer. Também perco
tudo, não consigo guardar uma
chave direito. Não presto atenção em nada e estou sempre
pensando em mil coisas ao
mesmo tempo.
FOLHA - Como você se relaciona
com as novas tecnologias?
PEKAR - Não sei nem ligar um
computador. Eu gosto do papel,
do manual. O computador é impessoal e cheio de regras. Aliás,
eu devo ser o último homem da
América que não sabe, e nem
quer, lidar com essas máquinas.
FOLHA - Como é Cleveland?
PEKAR - Cleveland é um grande
problema chamado cidade. Não
tem emprego. Nossa economia
é baseada na indústria, mas não
conseguimos competir com a
China e com o Japão. Na área
de esportes também somos
péssimos, o que só resulta em
mais gente deprimida.
FOLHA - E a América de Bush?
PEKAR - O Bush é um imbecil
terrível! Um babaca, faz tudo
errado. O aquecimento global é
um problema grave, tem uma
série de venenos no ar, e esse
pancada nem sabe o que é isso.
Se ainda fosse um idiota competente, vá lá. Mas nem isso.
FOLHA - Você teve um filme premiado sobre sua vida e suas histórias em quadrinhos. Mesmo assim
não ficou rico?
PEKAR - É claro que não! Por isso preciso continuar fazendo
minhas histórias. Adoraria conhecer o Brasil, por exemplo,
mas não tenho dinheiro. Aliás,
a música de vocês é incrível.
Adoro o Milton Nascimento.
Vocês falam como se estivessem cantando, é muito bonito.
Texto Anterior: Moda: Criador do ipod só tem uma roupa! Próximo Texto: 02 Neurônio: Saiba tudo o que vai rolar na moda Índice
|