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ESPORTE
O veterano surfista Peter Troy conta como ajudou a modernizar o esporte no Brasil
A revolução nas ondas do Arpoador
DA REPORTAGEM LOCAL
Rio de Janeiro, 1964. Num ano de tantas
mudanças no Brasil, em que se instala
o regime militar que irá durar mais de 20
anos, aconteceu uma revolução sobre a
qual você dificilmente lerá nos livros de
história. É a revolução do surfe, que naquele ano começou a ganhar os seus contornos modernos.
O revolucionário, no caso, é o campeão
australiano Peter Troy, hoje um jovem
senhor de 63 anos, que voltou ao Brasil
na semana passada para contar como e
por que ele se transformou numa figura
central para o surfe brasileiro.
A convite do governo australiano, Troy
participou do Australia Green Festival
2002, evento montado para divulgar a
cultura do país, da educação ao esporte,
passando pela moda e pela gastronomia.
O epicentro da mudança em 1964 é a
praia do Arpoador. Troy havia saído do
Peru, onde participara de um campeonato de surfe, e tinha um ano para viajar
pela América do Sul antes de voltar ao
país para um novo campeonato.
"Estava viajando pelo Brasil mas nem
pensava nas praias e no surfe. Fui para a
selva, conheci os rios, as montanhas",
lembra. O primeiro contato com a praia
se deu no Rio de Janeiro. "Estava em Copacabana. Fui andando até Ipanema e vi
umas pessoas surfando em pranchas de
madeirite. Fui até a pedra [do Arpoador]
e pedi uma prancha emprestada", diz.
Primeiro, Troy entrou na água com
uma prancha de madeira. Depois, pegou
emprestada uma novidade para os brasileiros: uma prancha de fibra de vidro,
que o filho do embaixador francês no Rio
havia ganhado, mas não sabia usar.
"As pessoas surfavam usando pés-de-pato. Entrei na água sem pé-de-pato e levei a prancha até o lado da pedra. Dessa
forma, ganhei velocidade e comecei a
manobrá-la e fazer coisas que os garotos
do Brasil nunca tinham visto."
Ao sair da água, Troy foi rodeado de
surfistas, que queriam saber como ele
conseguia surfar daquele jeito. Entre eles
estava Irencyr Beltrão, que o hospedou
por 20 dias. Na casa de Beltrão, Troy começou a ensinar como se fabricava uma
prancha de fibra de vidro. "Eles já estavam tentando fazer uma, mas estavam
usando a madeira errada e o "shape" errado. Fiz desenhos e mostrei como elas tinham de ser feitas", conta.
Troy sabia como fazer pranchas porque ele tinha passado pelo mesmo processo, anos antes, na Austrália. "Vi as
primeiras pranchas de fibra de vidro em
1956, durante a Olimpíada [de Melbourne]. Estava no time australiano de surfe e
quatro americanos tinham as novas
pranchas. Como não tínhamos a tecnologia da fibra de vidro, demoramos dois
anos para desenvolver a prancha."
Antes da semana passada, Troy voltou
ao Brasil duas vezes, em 1968 e em 1981,
mas não surfou. Isso porque, para ele, o
surfe é apenas parte de sua vida. "Surfar é
um modo de vida, é também interação
com outras pessoas, com os costumes,
com a história, com tudo", diz.
Seguindo essa filosofia, o veterano
lembra que surfar é muito mais do que
fazer manobras radicais. Para explicar
essa relação, ele recorre à música. "Você
pode tocar um mesmo acorde de cem
maneiras diferentes, mas isso não é tocar
uma peça musical. O desafio é tocar a
música toda, que não está só na água."
Para os brasileiros, Troy deixa duas
mensagens. Primeiro, que é importante
valorizar a nossa história e os nossos
campeões. Depois, que num país pobre
como o nosso, o surfe pode (e deve) ser
usado para conseguir obter melhores
condições de vida.
(GUILHERME WERNECK)
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