São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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ESPORTE

O veterano surfista Peter Troy conta como ajudou a modernizar o esporte no Brasil

A revolução nas ondas do Arpoador

DA REPORTAGEM LOCAL

Rio de Janeiro, 1964. Num ano de tantas mudanças no Brasil, em que se instala o regime militar que irá durar mais de 20 anos, aconteceu uma revolução sobre a qual você dificilmente lerá nos livros de história. É a revolução do surfe, que naquele ano começou a ganhar os seus contornos modernos.
O revolucionário, no caso, é o campeão australiano Peter Troy, hoje um jovem senhor de 63 anos, que voltou ao Brasil na semana passada para contar como e por que ele se transformou numa figura central para o surfe brasileiro.
A convite do governo australiano, Troy participou do Australia Green Festival 2002, evento montado para divulgar a cultura do país, da educação ao esporte, passando pela moda e pela gastronomia.
O epicentro da mudança em 1964 é a praia do Arpoador. Troy havia saído do Peru, onde participara de um campeonato de surfe, e tinha um ano para viajar pela América do Sul antes de voltar ao país para um novo campeonato.
"Estava viajando pelo Brasil mas nem pensava nas praias e no surfe. Fui para a selva, conheci os rios, as montanhas", lembra. O primeiro contato com a praia se deu no Rio de Janeiro. "Estava em Copacabana. Fui andando até Ipanema e vi umas pessoas surfando em pranchas de madeirite. Fui até a pedra [do Arpoador] e pedi uma prancha emprestada", diz.
Primeiro, Troy entrou na água com uma prancha de madeira. Depois, pegou emprestada uma novidade para os brasileiros: uma prancha de fibra de vidro, que o filho do embaixador francês no Rio havia ganhado, mas não sabia usar.
"As pessoas surfavam usando pés-de-pato. Entrei na água sem pé-de-pato e levei a prancha até o lado da pedra. Dessa forma, ganhei velocidade e comecei a manobrá-la e fazer coisas que os garotos do Brasil nunca tinham visto."
Ao sair da água, Troy foi rodeado de surfistas, que queriam saber como ele conseguia surfar daquele jeito. Entre eles estava Irencyr Beltrão, que o hospedou por 20 dias. Na casa de Beltrão, Troy começou a ensinar como se fabricava uma prancha de fibra de vidro. "Eles já estavam tentando fazer uma, mas estavam usando a madeira errada e o "shape" errado. Fiz desenhos e mostrei como elas tinham de ser feitas", conta.
Troy sabia como fazer pranchas porque ele tinha passado pelo mesmo processo, anos antes, na Austrália. "Vi as primeiras pranchas de fibra de vidro em 1956, durante a Olimpíada [de Melbourne]. Estava no time australiano de surfe e quatro americanos tinham as novas pranchas. Como não tínhamos a tecnologia da fibra de vidro, demoramos dois anos para desenvolver a prancha."
Antes da semana passada, Troy voltou ao Brasil duas vezes, em 1968 e em 1981, mas não surfou. Isso porque, para ele, o surfe é apenas parte de sua vida. "Surfar é um modo de vida, é também interação com outras pessoas, com os costumes, com a história, com tudo", diz.
Seguindo essa filosofia, o veterano lembra que surfar é muito mais do que fazer manobras radicais. Para explicar essa relação, ele recorre à música. "Você pode tocar um mesmo acorde de cem maneiras diferentes, mas isso não é tocar uma peça musical. O desafio é tocar a música toda, que não está só na água."
Para os brasileiros, Troy deixa duas mensagens. Primeiro, que é importante valorizar a nossa história e os nossos campeões. Depois, que num país pobre como o nosso, o surfe pode (e deve) ser usado para conseguir obter melhores condições de vida. (GUILHERME WERNECK)



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