São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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Como um coração brasileiro pode se tornar afegão em 78 páginas

A leitura recomendada hoje começou numa livraria. Eu estava ali, à procura de um bom livro, e dei de cara com uma faixa vermelha em torno de um volume pequeno na qual se lia o seguinte: "Se você puder ler somente um livro do Oriente este ano, que seja este. Um prodígio". Comecei a ler ali mesmo, curioso, mas logo vi que não havia nada de exótico, de trivial no livro, que se chama "Terra e Cinzas", vem apresentado como "um conto afegão" e é de autoria de Atiq Rahimi.
E o longo conto é um soco na boca do estômago. É um texto mais ou menos fragmentado, que a gente lê sem soltar. Enredo básico: num confim do atormentado Afeganistão (ocupado pelos soviéticos, duas tragédias atrás), um velho espera uma carona para visitar seu filho. Com o velho, seu único neto. Neto que ficou surdo por causa de bombas que explodiram perto dele. O resto da família: todos mortos.
O velho quer avisar seu filho sobre o que ocorreu -porque o filho já está há meses fora- e pensa que teria sido melhor ele mesmo ter morrido.
Quase nem precisa dizer mais nada para avaliar o tamanho do horror ali descrito, que é nosso contemporâneo apesar de distante na geografia. A narrativa é delicada, sutil, feita por um narrador que fala diretamente com o velho, em segunda pessoa, num processo raro e bem tramado. O resultado é que nosso coração, aos pedaços, fica afegão.
E-mail: fischerl@uol.com.br

"Terra e Cinzas - Um Conto Afegão"
Autor: Atiq Rahimi
Tradução: Flávia Nascimento
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 18



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