São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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"Eles morrem cada vez mais cedo"

Em Governador Valadares (MG), segunda cidade mais perigosa para os adolescentes, o Folhateen viu por que eles vivem com medo

DO ENVIADO A GOVERNADOR VALADARES (MG)

Era para ser apenas uma briga de escola, em Governador Valadares (MG): Pedro*, 17, ia para a porta de um colégio para paquerar as meninas e "zoar" os meninos. Entre eles, Gabriel*, 16, a quem chamava de gordinho.
"Eu não gostava, mas não fazia nada. Aí, um dia, xinguei ele", conta Gabriel.
Os dois brigaram e nasceu uma rixa que só terminou quando Gabriel deu um tiro na cabeça de Pedro, com um revólver que comprou por R$ 180, "com um cara lá do bairro, que conhecia de vista".
Encontrado no mesmo dia da infração, o assassino a confessou e aguarda julgamento.
"Eles morrem cada vez mais cedo", diz Stênio Souza, 22, tatuador que testemunhou o assassinato em sua própria casa.
Histórias como a dos dois garotos não são raras em Governador Valadares, cidade no leste de Minas com 260 mil habitantes -população 40 vezes menor do que a de São Paulo.
Apesar de ser a 79ª colocada no ranking de homicídios do "Mapa da Violência" (que inclui todas as idades), GV é a segunda no "Índice de Homicídios na Adolescência" (IHA).

"Tem tiroteio sempre"
A poucos metros de onde Pedro foi assassinado, Lorena Tomé, 22, fala sobre seus temores.
"Aqui tem tiroteio sempre. Morro de medo de meu filho crescer no meio da bandidagem", diz, com o filho de um ano no colo, no bairro pobre de Santa Helena.
Em junho, sua família aceitou o pedido de um amigo para abrigar o filho dele, Mateus*, 17, jurado de morte por causa de um conflito de gangues.
Não adiantou: na mesma semana, ele foi assassinado a pauladas, em uma casa no mesmo terreno onde mora de Lorena.
Também não existe tranquilidade em outra parte da cidade, por causa de rixas entre grupos rivais: os "de baixo", da planície do bairro de Palmeiras, e os "de cima", do morro onde fica a Vila Ozanan.
Em junho, Marcos Gomes dos Santos, 17, foi morto pela polícia em Palmeiras. Ele acabara de sair da casa da amiga Maria*, 19, para assistir a um jogo de seu Cruzeiro na Libertadores, na casa da namorada, a poucos metros dali, quando foi assassinado.
O homicídio está sendo investigado, mas as partes divergem em quase tudo sobre as circunstâncias do crime.
A polícia diz que deu apenas um tiro contra o rapaz, que teria atirado primeiro, duas vezes. Os moradores dizem ter ouvido de oito a dez tiros.
"Ele tinha acabado de sair da minha casa e não estava armado", diz Maria.
"Quase todo dia tem tiroteio. Domingo acertaram uma criança", diz Alexandra dos Santos, 27, prima de Marcos.
Uma rápida caminhada e a reportagem encontra a vítima a que Alexandra se refere, Filipe*, 13, brincando na frente de casa. O garoto conta que um carro passou atirando em direção a um bar, contra "o pessoal com que eles têm atrito". Só ele foi alvejado, na ocasião.
"A bala entrou por um lado e saiu pelo outro", diz Filipe, mostrando as feridas e segurando um cabo de vassoura, que improvisava de bengala. "Dói quando piso", reclama.

Sensação de impunidade
A reportagem também visitou Turmalina, considerado um dos bairros mais violentos de Valadares.
Cortado por duas das três rodovias federais que levam à cidade, o local é também um dos bairros mais pobres da região.
Em 2002, 82% da famílias viviam com menos de um salário mínimo, o desemprego era de 26% e apenas 49% das crianças estavam em situação escolar regular, segundo a Secretaria de Planejamento do Estado.
Foi nesse bairro que André*, 14, foi vítima de tentativa de homicídio, em frente à sua casa.
"Eu estava indo na minha tia buscar uma fralda para a filha dela e tomei um tiro nas costas", conta. A bala atingiu uma vértebra. Ele ficou paraplégico e passa os dias numa cama.
Sua irmã, Aparecida*, 15, é quem cuida dele, enquanto a mãe trabalha. Ela cozinha e troca as fraldas e os curativos de André, que tem feridas por ficar muito tempo deitado.
O crime completa um ano na sexta-feira, o inquérito corre numa vara criminal e aguarda mais provas. Até hoje não foi sequer aberto um processo.
O autor do tiro está livre, segundo os dois irmãos, que dizem saber até onde ele mora. Eles temem que ele nunca pague pelo crime.
"Nada vai fazer meu irmão andar de novo. Mas eu queria que pelo menos ele pagasse por isso, né?", diz Aparecida, chorando, após um longo silêncio.
E assim segue a vida para os jovens das periferias de Valadares, com muito medo e pouca esperança. Onde desavenças são resolvidas na bala, e qualquer desentendimento pode virar questão de morte, como se a vida fosse um filme de faroeste. (TARSO ARAUJO)


* Os nomes são fictícios.


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