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"Eles morrem cada vez mais cedo"
Em Governador Valadares (MG), segunda cidade mais perigosa para os adolescentes, o Folhateen viu por que eles vivem com medo
DO ENVIADO A GOVERNADOR
VALADARES (MG)
Era para ser apenas uma
briga de escola, em Governador Valadares
(MG): Pedro*, 17, ia para a porta de um colégio para paquerar
as meninas e "zoar" os meninos. Entre eles, Gabriel*, 16, a
quem chamava de gordinho.
"Eu não gostava, mas não fazia nada. Aí, um dia, xinguei
ele", conta Gabriel.
Os dois brigaram e nasceu
uma rixa que só terminou
quando Gabriel deu um tiro na
cabeça de Pedro, com um revólver que comprou por R$ 180,
"com um cara lá do bairro, que
conhecia de vista".
Encontrado no mesmo dia da
infração, o assassino a confessou e aguarda julgamento.
"Eles morrem cada vez mais
cedo", diz Stênio Souza, 22, tatuador que testemunhou o assassinato em sua própria casa.
Histórias como a dos dois garotos não são raras em Governador Valadares, cidade no leste de Minas com 260 mil habitantes -população 40 vezes
menor do que a de São Paulo.
Apesar de ser a 79ª colocada
no ranking de homicídios do
"Mapa da Violência" (que inclui todas as idades), GV é a segunda no "Índice de Homicídios na Adolescência" (IHA).
"Tem tiroteio sempre"
A poucos metros de onde Pedro foi assassinado, Lorena Tomé, 22, fala sobre seus temores.
"Aqui tem tiroteio sempre.
Morro de medo de meu filho
crescer no meio da bandidagem", diz, com o filho de um
ano no colo, no bairro pobre de
Santa Helena.
Em junho, sua família aceitou o pedido de um amigo para
abrigar o filho dele, Mateus*,
17, jurado de morte por causa
de um conflito de gangues.
Não adiantou: na mesma semana, ele foi assassinado a pauladas, em uma casa no mesmo
terreno onde mora de Lorena.
Também não existe tranquilidade em outra parte da cidade, por causa de rixas entre grupos rivais: os "de baixo", da planície do bairro de Palmeiras, e
os "de cima", do morro onde fica a Vila Ozanan.
Em junho, Marcos Gomes
dos Santos, 17, foi morto pela polícia em Palmeiras. Ele acabara de sair da casa da amiga
Maria*, 19, para assistir a um
jogo de seu Cruzeiro na Libertadores, na casa da namorada, a
poucos metros dali, quando foi
assassinado.
O homicídio está sendo investigado, mas as partes divergem em quase tudo sobre as
circunstâncias do crime.
A polícia diz que deu apenas
um tiro contra o rapaz, que teria atirado primeiro, duas vezes. Os moradores dizem ter
ouvido de oito a dez tiros.
"Ele tinha acabado de sair da
minha casa e não estava armado", diz Maria.
"Quase todo dia tem tiroteio.
Domingo acertaram uma
criança", diz Alexandra dos
Santos, 27, prima de Marcos.
Uma rápida caminhada e a
reportagem encontra a vítima a
que Alexandra se refere, Filipe*, 13, brincando na frente de
casa. O garoto conta que um
carro passou atirando em direção a um bar, contra "o pessoal
com que eles têm atrito". Só ele
foi alvejado, na ocasião.
"A bala entrou por um lado e
saiu pelo outro", diz Filipe,
mostrando as feridas e segurando um cabo de vassoura,
que improvisava de bengala.
"Dói quando piso", reclama.
Sensação de impunidade
A reportagem também visitou Turmalina, considerado
um dos bairros mais violentos
de Valadares.
Cortado por duas das três rodovias federais que levam à cidade, o local é também um dos
bairros mais pobres da região.
Em 2002, 82% da famílias viviam com menos de um salário
mínimo, o desemprego era de
26% e apenas 49% das crianças
estavam em situação escolar
regular, segundo a Secretaria
de Planejamento do Estado.
Foi nesse bairro que André*,
14, foi vítima de tentativa de
homicídio, em frente à sua casa.
"Eu estava indo na minha tia
buscar uma fralda para a filha
dela e tomei um tiro nas costas", conta. A bala atingiu uma
vértebra. Ele ficou paraplégico
e passa os dias numa cama.
Sua irmã, Aparecida*, 15, é
quem cuida dele, enquanto a
mãe trabalha. Ela cozinha e troca as fraldas e os curativos de
André, que tem feridas por ficar
muito tempo deitado.
O crime completa um ano na
sexta-feira, o inquérito corre
numa vara criminal e aguarda
mais provas. Até hoje não foi
sequer aberto um processo.
O autor do tiro está livre, segundo os dois irmãos, que dizem saber até onde ele mora.
Eles temem que ele nunca pague pelo crime.
"Nada vai fazer meu irmão
andar de novo. Mas eu queria
que pelo menos ele pagasse por
isso, né?", diz Aparecida, chorando, após um longo silêncio.
E assim segue a vida para os
jovens das periferias de Valadares, com muito medo e pouca
esperança. Onde desavenças
são resolvidas na bala, e qualquer desentendimento pode virar questão de morte, como se a
vida fosse um filme de faroeste.
(TARSO ARAUJO)
* Os nomes são fictícios.
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