São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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MINHA HISTÓRIA ALICIA SOARES, 13

Sorriso metálico

(...) Com dentes tortos, eu não ria sem tapar a boca. (...) Agora, quero ser modelo

(...) Depoimento a
GABRIELA ROMEU
EDITORA-ASSISTENTE DA FOLHINHA

Já sofri muito por causa dos dentes. Eram bem tortos, eu tinha muitas cáries. Como meus dentes de leite não caiam, uns cresciam em cima dos outros. Sentia dores.
Na escola, me chamavam de muitos nomes. O pior de todos era "monstro". Eu dizia nomes [xingava] também, falava que eles é que eram monstros. Fazia que não ligava. Não chorava, não.
Uma época, quando era miúda [criança], eu era muito viciada em pastilhas [balas]. Levava as pastilhas para a escola e, quando eles [os outros alunos] pediam uma pastilha, eu dizia: "Os monstros não dão nada aos príncipes ou às princesas".
Em casa, minha mãe me chamava às vezes de monstro da lagoa negra. Ela também dizia que minha boca era um verdadeiro cemitério. Minha mãe é doméstica, mas está desempregada. Meu pai, que é de Cabo Verde, é carpinteiro e não dá dinheiro todo mês. Moro com meus cinco irmãos. Não dava para minha mãe pagar o dentista.
Foi minha mãe que ficou sabendo da inscrição para o tratamento [feito pela ONG brasileira Turma do Bem, que tem um braço em Portugal].
O Fábio [Bibancos, fundador da ONG] disse que me escolheu entre outros miúdos [crianças] porque eu não parecia nada feliz. Eu não ria sem tapar a boca. Sabe, nem percebia que fazia isso.
Quando eu me vi com esse aparelho pela primeira vez, gostei muito. Eu me olhava muitas vezes no espelho no começo. Toda hora. Até parei de botar a mão na boca. Queria que todo mundo visse que eu estava usando aparelho.
Tem um menino de que gosto um pouco. Agora, acho que ele olha de um jeito bem diferente pra mim. Meu sonho é ser modelo e estar na capa das revistas que vejo quando vou ao supermercado para minha mãe.
Já fiz umas fotos e gostei de me ver assim, já não sou mais a miúda mais feia da escola. Hoje, se me chamarem de sorriso metálico, não vou ligar.

"Quando eu me vi com esse aparelho pela primeira vez, gostei muito. Eu me olhava muitas vezes no espelho no começo. (...) Tem um menino de que gosto um pouco. Agora, acho que ele olha de um jeito bem diferente pra mim"


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