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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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Ler pode ser uma experiência forte, mas o lazer dá uma goleada nos livros

Entre a biblioteca e o ICQ

DA REPORTAGEM LOCAL
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Sem deixar de lado as poesias de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Natália Quadros, 14, aluna da oitava série do Gracinha, gosta mesmo é de ler os versos que suas amigas escrevem. "Fico realmente emocionada. Eu acho que a poesia do amigo toca fundo. É uma ótima forma de autoconhecimento."
Às vezes, o livro sacode tanto a vida do jovem que marca, literalmente, o seu modo de ser. Marcelo Altenfelder, 16, entrou de sola em "Pé na Estrada", de Jack Kerouac (1922-1969). Gostou tanto que tatuou o nome do protagonista Dean Moriarty em seu surrado par de tênis.
Mas os tênis, para a maioria dos estudantes, servem é para jogar bola. "Claro que, entre ler um livro e jogar futebol, eu prefiro bater uma bola", diz Daniel Oda, 13, aluno da sétima série do Santo Inácio. Pedro Santelmo, 16, do segundo ano do Gracinha, concorda: "Entre a biblioteca e a bola, fico com a segunda".
Mas, quando o livro é de aventura, aí sim a pelada pode ser deixada de lado. "Ler é uma viagem! A gente vai para um monte de lugares, entra na aventura e não quer sair mais. Só não adianta ler sem vontade, e, às vezes, na escola, o que rola é isso mesmo. A gente lê porque é obrigado", diz Alex Vascouto, 16, aluno do segundo ano do Miguel de Cervantes.
Também do Cervantes, Júlia Caram, 17, do terceiro ano, não só assume que não gosta de ler, "ainda mais sendo obrigada", como confessa: "A partir do segundo, comecei a ler os resumos".
Justamente por ter lido o resumo de "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, Felipe Pereira, 18, do terceiro ano do Objetivo, sentiu uma culpa enorme. "Foi o único dos títulos pedidos para o vestibular que eu não li por falta de tempo."
Muitas vezes, a necessidade de cumprir a lista dos títulos do vestibular acaba mesmo embananando a cabeça dos alunos. Alguns chegam a misturar títulos de obras. Durante uma entrevista com estudantes, uma aluna soltou a seguinte gafe: "Estou lendo "Memórias Póstumas de um Sargento de Milícias'". Motivo de galhofa, respondeu aos colegas: "Ah, gente, é tanta coisa que eu fico confusa".
E até mesmo quem mantém uma relação mais séria com os livros acaba cedendo à pressão do vestibular e antecipando etapas. Foi o que aconteceu com Isadora Menezes, 14, da sétima série do Colégio Santo Inácio, que acabou de ler "Macbeth", de Shakespeare (1564-1616), mas já pediu ao irmão mais velho que pegasse a lista de livros dos vestibulares. "Pode ser um pouco de ansiedade, mas não custa começar a me preparar."
A falta de tempo parece ser motivo para que os alunos não cheguem aos livros fora da escola. As gêmeas Lilian e Julia Sarmento Sales,16, do segundo ano do São Domingos, pensam igual: "Só dá tempo de ler nas férias", diz Julia, que adorou a biografia do jogador de futebol Garrincha, de Ruy Castro. E Lilian aproveitou o mês de julho para se debruçar sobre "Budapeste", de Chico Buarque.
Mas essa história de falta de tempo às vezes não passa de desculpa esfarrapada. Basta perguntar quanto tempo os alunos ficam pendurados no ICQ batendo papo para que eles admitam: "Horas a fio". "Às vezes, fico três horas por dia no micro", confessa Stephanie Colognori, 15, do primeiro ano do Dante. Ela também divide seu tempo malhando na academia duas horas por dia. (MZ e AA)


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