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Ler pode ser uma experiência forte, mas o lazer dá uma goleada nos livros
Entre a biblioteca e o ICQ
DA REPORTAGEM LOCAL
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Sem deixar de lado as poesias de Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987),
Natália Quadros, 14, aluna da oitava série
do Gracinha, gosta mesmo é de ler os
versos que suas amigas escrevem. "Fico
realmente emocionada. Eu acho que a
poesia do amigo toca fundo. É uma ótima forma de autoconhecimento."
Às vezes, o livro sacode tanto a vida do
jovem que marca, literalmente, o seu
modo de ser. Marcelo Altenfelder, 16, entrou de sola em "Pé na Estrada", de Jack
Kerouac (1922-1969). Gostou tanto que
tatuou o nome do protagonista Dean
Moriarty em seu surrado par de tênis.
Mas os tênis, para a maioria dos estudantes, servem é para jogar bola. "Claro
que, entre ler um livro e jogar futebol, eu
prefiro bater uma bola", diz Daniel Oda,
13, aluno da sétima série do Santo Inácio.
Pedro Santelmo, 16, do segundo ano do
Gracinha, concorda: "Entre a biblioteca e
a bola, fico com a segunda".
Mas, quando o livro é de aventura, aí
sim a pelada pode ser deixada de lado.
"Ler é uma viagem! A gente vai para um
monte de lugares, entra na aventura e
não quer sair mais. Só não adianta ler
sem vontade, e, às vezes, na escola, o que
rola é isso mesmo. A gente lê porque é
obrigado", diz Alex Vascouto, 16, aluno
do segundo ano do Miguel de Cervantes.
Também do Cervantes, Júlia Caram,
17, do terceiro ano, não só assume que
não gosta de ler, "ainda mais sendo obrigada", como confessa: "A partir do segundo, comecei a ler os resumos".
Justamente por ter lido o resumo de "A
Hora da Estrela", de Clarice Lispector,
Felipe Pereira, 18, do terceiro ano do Objetivo, sentiu uma culpa enorme. "Foi o
único dos títulos pedidos para o vestibular que eu não li por falta de tempo."
Muitas vezes, a necessidade de cumprir
a lista dos títulos do vestibular acaba
mesmo embananando a cabeça dos alunos. Alguns chegam a misturar títulos de
obras. Durante uma entrevista com estudantes, uma aluna soltou a seguinte gafe:
"Estou lendo "Memórias Póstumas de
um Sargento de Milícias'". Motivo de galhofa, respondeu aos colegas: "Ah, gente,
é tanta coisa que eu fico confusa".
E até mesmo quem mantém uma relação mais séria com os livros acaba cedendo à pressão do vestibular e antecipando
etapas. Foi o que aconteceu com Isadora
Menezes, 14, da sétima série do Colégio
Santo Inácio, que acabou de ler "Macbeth", de Shakespeare (1564-1616), mas
já pediu ao irmão mais velho que pegasse
a lista de livros dos vestibulares. "Pode
ser um pouco de ansiedade, mas não
custa começar a me preparar."
A falta de tempo parece ser motivo para que os alunos não cheguem aos livros
fora da escola. As gêmeas Lilian e Julia
Sarmento Sales,16, do segundo ano do
São Domingos, pensam igual: "Só dá
tempo de ler nas férias", diz Julia, que
adorou a biografia do jogador de futebol
Garrincha, de Ruy Castro. E Lilian aproveitou o mês de julho para se debruçar
sobre "Budapeste", de Chico Buarque.
Mas essa história de falta de tempo às
vezes não passa de desculpa esfarrapada.
Basta perguntar quanto tempo os alunos
ficam pendurados no ICQ batendo papo
para que eles admitam: "Horas a fio".
"Às vezes, fico três horas por dia no micro", confessa Stephanie Colognori, 15,
do primeiro ano do Dante. Ela também
divide seu tempo malhando na academia
duas horas por dia.
(MZ e AA)
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