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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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ESPECIAL

Escritores falam da experiência de fazer textos para adolescentes

Os papas da adaptação

DA REPORTAGEM LOCAL
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Por que raios existe literatura infanto-juvenil? Por acaso "Alice no País das Maravilhas" é somente para crianças e adolescentes? E o que dizer de Monteiro Lobato (1882-1948), que até hoje conquista milhares de adultos? Isso sem contar que jovens lêem Franz Kafka (1883-1924) e José Saramago e fazem críticas pertinentes como as de um adulto.
Essa categoria é motivo de polêmica entre escritores. Há quem pense que o livro para adolescentes deva estar em uma linguagem acessível. "O grande desafio não é o conteúdo, mas a linguagem. Eu me preocupo em utilizar a linguagem mais próxima do adolescente de hoje", afirma Carlos Heitor Cony, 75, colunista e membro do conselho editorial da Folha e da Academia Brasileira de Letras.
Autor especializado em crianças e adolescentes, Pedro Bandeira, 61, discorda: "Não adianta usar a linguagem do momento. Nada mais velho do que a gíria de seis meses atrás. Devemos usar uma norma culta, porém mais acessível".
A questão da faixa etária é vista por alguns autores como meramente mercadológica. É o que pensa José Arrabal, 56, autor de mais de 30 livros infanto-juvenis. José Louzeiro, 71, com mais de dez livros publicados para adolescentes, compartilha da mesma opinião: "Não divido literatura para jovem da literatura para adulto. Isso é para efeito didático".
Em relação ao tema, Bandeira resume bem a idéia de vários escritores. Os temas são universais, diz, não mudam, fazem parte da alma do homem. Todos têm medo, inveja, paixão, esperança e ciúme, independentemente da idade.
Arrabal cita Erico Verissimo (1905-1975), que escreveu dezenas de livros para todos e nunca fez concessões na linguagem, no tema e nas páginas.
E, por falar em mercado, se, nos anos 80, pipocaram adaptações de autores estrangeiros no país, a nova onda parece ser a adaptação de clássicos da literatura em português, de Machado de Assis a Eça de Queiroz (1845-1900). O mais paradoxal é que há editoras que oferecem a obra original de um autor e a adaptação da mesma.
Cony afirma que, no estágio em que os jovens estão, uma linguagem como a de Raul Pompéia, em "O Ateneu" -livro que ele adaptou-, não tem apelo. "A adaptação é uma roteirização. Ela pega o gancho principal e elimina ângulos mortos, citações datadas e metáforas piegas."
Indagado se não se sentiu incomodado ao retirar algumas metáforas, Cony foi categórico: "Pelo contrário. Prestei um serviço a Raul Pompéia, assim como Charles Lamb fez para Shakespeare".
Alfredo Bosi, 67, importante crítico literário brasileiro, diz que "há soluções felizes para alunos que estão no início da adolescência. Trata-se de obras que foram adaptadas por bons autores, como as tragédias e comédias de Shakespeare na versão de Charles Lamb". Mas aproveita para "rejeitar toda e qualquer redução de obras brasileiras e portuguesas". Arrabal critica o adaptador que facilita a leitura. "Adaptar é usar linguagem poética, com narrativa carregada de metáforas e com narrador original."
José Louzeiro, que, entre outros autores, adaptou Machado de Assis e Lima Barreto (1881-1922), opina que nem sempre a adaptação destrói o estilo do escritor. "Procuro manter a essência do livro e ter estilo muito parecido com o do autor." Mesmo assim, Louzeiro é favorável a uma adequação de vocabulário. "Se você vai dizer ao leitor de hoje que um personagem é esquálido, ele vai pensar que é esquartejado. Há palavras que morrem."
Contudo, de cada dez alunos entrevistados pela reportagem, pelo menos sete apontam o aumento no vocabulário como um dos fatores positivos da leitura.
O professor de literatura da USP João Adolfo Hansen arrisca um diagnóstico. "Se o autor é difícil, o problema não é dele, é da cultura escolar. Imagine adaptar Graciliano Ramos. Perde-se justamente o fundamental, que é o estilo, que é aquela sintaxe muito particular." (MZ e AA)


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