São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Macacão laranja PP

De Guantánamo, jovem preso alerta sobre abusos na polêmica prisão americana

JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
TARSO ARAUJO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 2002, quando tinha 15 anos, o africano Mohammad al Gharani, do Chade, foi preso por soldados dos EUA, acusado de ser mensageiro da Al Qaeda e de ter lutado no Afeganistão contra tropas americanas que buscavam Osama bin Laden.
No mesmo ano, ele foi transferido para a prisão na base americana de Guantánamo, em Cuba. Posto em isolamento, tentou o suicídio sete vezes.
Hoje, aos 21, ele é um dos cinco jovens que foram detidos quando tinham menos de 18 anos e que estão presos há mais de seis anos, segundo a ONG Human Rights Watch.
O detalhe é que nunca se provou nada contra Al Gharani.
Por isso, em janeiro passado, o juiz americano Richard J. Leon ordenou a libertação do rapaz, alegando que as evidências contra o jovem são fracas demais para mantê-lo preso.
Mas ele ainda não foi solto. O máximo que conseguiu foi ser transferido para o campo Iguana, área mais tranquila da cadeia em Cuba (veja ao lado).
No Iguana, os presos têm benefícios como o direito de ligar para a família. Foi assim que Al Gharani conseguiu falar, na semana passada, com um repórter da rede de TV Al Jazeera, que driblou a vigilância do presídio fingindo ser tio do jovem.
Al Gharani tornou-se, assim, a primeira pessoa a conceder uma entrevista de dentro de um dos campos de detenção da base americana de Guantánamo e chamou a atenção para mais uma polêmica em torno de uma das prisões mais conhecidas do mundo.

Relatos do cárcere
Seu relato dá dimensão dos abusos que os presos de Guantánamo sofrem. Ele conta que, ao se recusar a sair da cela, seis soldados o espancaram e esvaziaram duas latas de gás lacrimejante em seu rosto.
Quando caiu no chão, um dos soldados golpeou seu rosto contra o solo, quebrando um de seus dentes. Sangrando, ele gritou para o oficial presente: "Olhe o que eles estão fazendo!". Rindo, o oficial disse: "Estão fazendo seu trabalho".
Em entrevista ao Folhateen, Stacy Sullivan, diretora da Human Rights Watch, disse não saber se a entrevista apressará sua libertação, porque "esse processo é ao mesmo tempo político e arbitrário".
Os outros quatro presos com menos de 18 anos passam por situações parecidas com a de Al Gharani. O canadense Omar Khadr, 22, chegou à prisão em novembro de 2002, acusado de ter atirado uma granada que matou um soldado americano no Afeganistão.
Segundo seu advogado -ao qual só teve direito depois de dois anos preso-, o jovem foi torturado durante um interrogatório e, depois de urinar nas calças, "foi usado como esfregão" para limpar o chão.
Fahd Abdullah Ahmed Ghazi, do Iêmen, preso em 2002, aos 17, continua em Guantánamo, apesar de os americanos terem decidido libertá-lo um ano atrás. Tudo porque os EUA e o Iêmen não chegaram a um acordo sobre como e quando ele deve retornar ao seu país.
O afegão Mohammad Jawad, outro acusado de atirar uma granada em um carro americano, chegou a Guantánamo em 2003, com 16 ou 17 anos (sua idade exata é incerta).
Em novembro, o juiz responsável por seu caso decidiu que as confissões de Jawad foram obtidas sob tortura e deveriam ser invalidadas.
O quinto jovem é Mohammad Khan Tumani, sírio, 23, detido aos 17. Seus advogados dizem que ele sofre abusos, como espancamentos, privação de sono e ameaças à família.

Obama promete fechar
A Anistia Internacional, a Cruz Vermelha e outras organizações de defesa dos direitos humanos condenam os métodos de intimidação usados em Guantánamo.
As ações na prisão eram justificadas pelo governo de George W. Bush como armas na guerra ao terror. Mas uma das primeiras ações de Barack Obama na Presidência foi decretar o fechamento de Guantánamo até 2010.
O novo presidente norte-americano também garantiu que os chamados "juveniles" -presos que foram para Guantánamo com menos de 18 anos- terão prioridade.
ara Clive Stafford Smith, diretor da ONG Reprieve e advogado de Al Gharani, "esses jovens cresceram em confinamento solitário, com menos direitos do que as iguanas que rastejam pela ilha".
Certamente é tarde para recuperar a adolescência perdida desses jovens. Mas nunca o será para que abusos cometidos em Guantánamo sejam devidamente investigados e punidos.

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