São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2004

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GRAFITE

Garotas grafiteiras ganham respeito em uma atividade dominada por homens e usam a internet para debater, organizar eventos e trocar experiências

Elas pintam o sete

Renato Stockler/Folha Imagem
Eduarda dos Santos, 12, durante aula de grafite


FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando tinha 19 anos, Ana Clara Marques decidiu entrar para uma oficina de grafite. Ao perceber que só havia meninos, chamou algumas amigas para aprenderem junto com ela. Hoje, aos 26, ela dá aula de grafite para adolescentes da cidade de Santo André (grande São Paulo), onde mora. Desta vez, a turma é mais dividida: metade dos alunos são meninas.
Aos poucos, as mulheres estão entrando nesse território onde praticamente só há garotos. É só prestar atenção nos muros das grandes cidades para ver que pseudônimos femininos, como Tika, Miss, Nia e Prima Donna, são cada vez mais comuns.
"As mulheres estão aí, batendo cabeça para se afirmar. Mas somos minoria", diz a grafiteira carioca Marcela Zaroni, 26. Conhecida como Prima Donna, ela criou em 2002 a primeira crew (grupo de grafite) feminina do Rio de Janeiro, a TPM Crew.
Três anos antes, Ana Clara Marques havia criado com as amigas outra crew com um nome tão feminino quanto o das cariocas: a Só Calcinha, que chegou a ter 11 integrantes. A crew não existe mais, mas Ana Clara ainda assina o nome nos desenhos.
Ela e Marcela fazem parte de um grupo que está empenhado em reunir as grafiteiras do país. Para isso, decidiram usar a internet. Em outubro, criaram uma lista de discussão que tem, até agora, 34 participantes. "Com certeza, são muito mais. Nem todas têm acesso à rede", diz Marcela. Fotologs e uma comunidade no Orkut também ajudam a trocar fotos e idéias.
Segundo a psicóloga Viviane Mendonça, que fez seu doutorado na Unicamp sobre as meninas grafiteiras, não só o hip hop mas as culturas juvenis em geral -como o rock e o punk- são tidas como masculinas. "As meninas curtem, mas nos bastidores. As que fazem realmente são poucas, e pouco é falado sobre elas." Para Viviane, a participação no grafite ajuda as meninas a se afirmarem enquanto mulheres de periferia. "Elas passam a questionar a participação feminina na sociedade."
Ana Carolina Rego, 18, a Tika, que grafita desde os 16, diz que a atividade muda as mulheres. "É carregar peso, andar o dia todo, sujar a cara e o cabelo de tinta. Não dá pra ter tanto aquela coisa de menininha."
Marta Oliveira, 18, que começou a grafitar junto com Tika, acha que dá para perceber um toque feminino nos desenhos. "É mais sentimental, mais delicado. As meninas fazem muitos personagens, a maioria mulher", diz ela, que assina Miss.
Segundo as grafiteiras, não dá para generalizar. "Tem muito garoto pintando bonequinha, usando rosa. Cada ser humano tem o seu trabalho", diz Marcela. Janaína Gonçalves, 26, a Jana Joana, diz que gosta de abordar temas femininos, como a maternidade.


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