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COMPORTAMENTO
Sumiço de objetos de estudantes leva escolas a adotar novas medidas de segurança e a promover campanhas de conscientização
+ cadeados
+ vigilância
ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante a aula, a menina, toda empolgada, mostra sua carteira nova
para as amigas. Depois da escola,
quando chega na casa de uma amiga e abre
a carteira, surpresa: a nota de R$ 50 que estava lá dentro havia sumido. "Me senti
muito mal, a pessoa que fez isso não teve
respeito por mim. Nunca pensei que isso
pudesse acontecer", diz Maíra Ribeiro
Araújo, 16, que foi furtada em março.
Surpresa para os adolescentes, situação
delicada para a escola. Esses pequenos furtos de dinheiro e objetos como celular, carteira e até cadernos de bons alunos estão levando as escolas a adotar medidas de segurança e a discutir ética em sala de aula. O
problema, segundo sete escolas de São
Paulo ouvidas pelo Folhateen, é mais freqüente entre a 7ª série e o ensino médio.
O Colégio SAA, tradicional escola de Santana (zona norte), instalou há dois anos um
sistema de câmeras de vídeo que monitora
o que acontece dentro das salas de aula. "A
gente sabia que era uma medida polêmica,
mas os pais aceitaram bem a novidade,
pois sentem que a escola está preocupada
com a segurança", diz o coordenador pedagógico Otávio Augusto Moreira. Além disso, uma vez por semana os alunos têm uma
aula de ética e convivência.
Para evitar que alguns alunos mexam nas
coisas dos colegas, muitas escolas passaram a deixar as portas trancadas durante o
recreio e a educação física -os momentos
em que os furtos mais acontecem. "Isso gera um desconforto, pois quem não desce
para tomar lanche tem de ficar plantado
em pé no corredor. Acho injusto que a gente tenha menos conforto e segurança na escola por causa de parasitas", diz Gustavo
Alves Cardoso, 17, que teve R$ 40 furtados.
Além dessa medida, muitos colégios têm
hoje em dia algo que, há 15 anos, os estudantes só viam em filmes de escolas norte-americanas: armários com chave. "Colocamos armários para que os alunos não precisassem carregar livros todo dia para casa,
mas, depois, eles acabaram ganhando essa
finalidade de segurança", diz Luiza Stessoto, coordenadora de Comunicação do colégio Sion, em Higienópolis (centro).
O fato é que o problema sempre existiu e
dificilmente vai ser erradicado, segundo os
educadores. "Isso acontece em todos os colégios, mesmo nos de padrão social mais
elevado", afirma a psicóloga Ruth Broggin,
diretora educacional do ensino médio da
Escola Nova Lourenço Castanho, na Vila
Nova Conceição (zona sul).
Esse é um dos fatores que mais deixa as
vítimas indignadas. "Acho um absurdo, as
pessoas do colégio onde eu estudava tinham dinheiro e não precisavam pegar de
ninguém", acredita Jacqueline Prado Caverzan, 18, que teve R$ 60 furtados.
Prevenção
Muitos colégios, como o Augusto Laranja, em Moema (zona sul), e o Vera Cruz, no
Alto de Pinheiros (zona oeste), além da vigilância, estão investindo em prevenção.
"A gente faz um trabalho em classe sobre o
que é coletivo e o que é pessoal. Quando o
aluno aprende a respeitar o que é público, o
respeito ao privado vem mais fácil", acredita Mariluce Lourenço, diretora do ensino
fundamental do Augusto Laranja.
No Colégio Padre Moye, no Limão (zona
norte), além dos sistemas de segurança, como catraca eletrônica (só entra quem tem
crachá), há aulas de convivência cristã e de
educação emocional, onde as questões de
respeito às coisas do colega são discutidas.
"O grande papel da escola é reverter a situação em um processo educativo. Quando
o erro acontece, deve ser um erro construtivo, como dizia Piaget [o educador Jean Piaget]", afirma a diretora do ensino médio do
Vera Cruz, Lucília Bechara Sanchez.
"Quando ocorre um caso desses, a gente
procura trabalhar os dois lados: quem pegou e quem descuidou."
A responsabilidade dos adolescentes
também está sendo discutida. No próximo
ano, o uniforme do Sion deve ganhar calças
com bolsos maiores e blusões com aberturas internas, para que os alunos possam
guardar carteiras e celulares e não deixem
esses objetos em qualquer canto.
Para a psicopedagoga Adriana Fóz Veloso, que presta consultoria a escolas públicas e particulares, o apelo ao consumismo é
um fator de incentivo aos pequenos furtos.
"Essa carga toda é uma lavagem cerebral,
você tem que ter aquele tênis, aquela mochila, aquela caneta para ser feliz."
A psicanalista Isabel Khan, especialista
em educação, concorda. "Hoje, a questão
ética está bastante comprometida. A mensagem que as pessoas recebem diariamente
é que tudo que se quer é válido e que o seu
bem-estar é o que importa. A regra é "eu
sou mais eu", acima de qualquer coisa."
Quem passa por isso, no entanto, não esquece. "As pessoas esperam que a escola
seja um santuário, e todo mundo fica perplexo quando percebe que não é", diz Alzira Ryngelblum, orientadora do colégio Bialik, em Pinheiros (zona oeste). "A escola é o
lugar em que a gente deveria se sentir mais
seguro, mas não é bem assim", constata
Jacqueline. "Preferia ter sido furtado na
rua, porque sei que esse é um risco que corro", diz Gustavo. "Furtar um colega é furtar
alguém que se olha na cara diariamente."
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