São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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Pixies ao vivo, lembranças embaçadas

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Os Pixies vêm tocar no Brasil (Curitiba) em maio, e isso traz lembranças formidáveis. Vi os caras ao vivo no auge da forma, em Boston, em 1990, última apresentação da turnê do fenomenal "Doolittle", segundo álbum do grupo. O que lembro do show você vai saber daqui a pouco. Por enquanto, vamos explicar aos mais jovens e àqueles que não acompanham o rock de perto quem foram e o que fizeram os Pixies.
Sabe aquela história de que o Nirvana estraçalhou o muro que separava o mundo "mainstream" do mundo alternativo? Pois então. Foram os Pixies que deram a primeira marretada nessa parede, na segunda metade dos anos 80. O muro não caiu, mas ficou balançando. Isso facilitou muito o golpe de misericórdia nirvânico, que seria desferido poucos anos depois.
Os Pixies surgiram no campus de uma universidade meia boca, a Universidade de Massachusetts. Ou seja, eles não só faziam música para um público universitário como eram o próprio público universitário. Formavam os Pixies Black Francis (que depois virou Frank Black, vocais e guitarra), Joey Santiago (guitarra), Kim Deal (baixo) e David Lovering (bateria). Acabaram em 1992 e voltam agora na formação original.
Os Pixies foram pioneiros no estilo trecho calmo-trecho barulhento-trecho calmo, adotado sem reservas, depois, pelo Nirvana e por dezenas de outras bandas. As letras absurdas sobre extraterrestres, animais e outros temas incomuns alçavam os Pixies a um nível de inventividade poética sem paralelo na época.
Sem os Pixies, não teria existido o grunge e não existiria o Weezer (o grupo americano mais imitado no Brasil).
Beleza? Deu para se ligar na importância? Agora, ao tal show de que falei lá em cima.
Quer dizer... antes do show em si, uma outra história curiosa. Em 1989, eu estudava em Boston, não conhecia ninguém e dividia um apê com um tiozinho holandês que só escutava música clássica e Stevie Wonder.
Sem ter o que fazer nos fins de semana, ouvi que uma rádio bacana, a WFNX (existe até hoje), promovia festas em um clube chamado Axis. Os DJs eram os próprios locutores. Em um sábado gelado, baixei no Axis, escutei o que, na época, era a melhor música da minha vida (depois descobri que era "Stigmata", do Ministry) e fiquei chapado quando rolou a introdução de "Debaser", uma das canções mais conhecidas dos Pixies. Pensei: "Os caras são da área, essa música é superconhecida, isso aqui vai pegar fogo". Na verdade, "Debaser" esvaziou a pista. Foi recebida pelo público com frieza comparável à da neve lá fora...
Mas, então, o show. Era o último de uma longa excursão, os músicos estavam exaustos. Na época, com 20 e poucos anos, eu exibia resistência pétrea na área do corpo que os velhos comentaristas de boxe chamam de "zona hepática". Sabendo da importância da apresentação, detonei. Resultado: não me lembro de nenhuma música. Só uma cena ficou gravada: Kim Deal, a baixista, dando altas cusparadas no chão.
Mais nada, nenhuma outra memória. Preciso ver os Pixies de novo.


Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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