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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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FOFINHOS DEMAIS

Vítimas de pressões culturais, jovens com peso acima da média tornam-se alvo de intenso bombardeio das autoridades de saúde

Gordinhos na mira

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Você sabia que, no Brasil do Fome Zero, há mais obesos que subnutridos? Que o número de jovens obesos triplicou nos últimos 30 anos no país? E que a obesidade está entre os dez fatores que trazem mais risco de morte, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)?
A cada dia, novas pesquisas sobre os males do excesso de gordura produzem dados de arrepiar os pêlos de cada pneuzinho extra.
A obesidade já é considerada uma epidemia mundial. E, por mais que o governo brasileiro não tenha um programa "Dieta já", o Ministério da Saúde, em parceria com a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade), já está pesquisando a obesidade no país para criar programas contra a doença, especialmente entre crianças e adolescentes.
Tudo isso, aliado à pressão social e cultural em prol do corpo magro ou sarado e às recomendações médicas, faz com que fofinhos, gordinhos e obesos entrem no mesmo balaio da paranóia dos quilos e curvas que destoam da ordem metralhada pela TV, pelas revistas e pela moda: seja magro e seja lindo e desejado.

Pressão total
O mundo moderno parece conspirar para a obesidade e para os distúrbios alimentares. Cada vez mais as pessoas são sedentárias. Seja dentro do carro ou na frente da TV e do computador, o que mais se faz na vida é ficar parado.
Para piorar a questão da inatividade física, o desenvolvimento industrial facilitou a vida do homem, mas bombardeou sua dieta com alimentos extremamente calóricos, cujo consumo é alavancado por campanhas publicitárias milionárias e bastante eficazes. Coma, coma, coma. Beba, beba, beba.
"Hoje há dois modelos: o muito magro e o sarado. Os dois excluem a gordura. Por outro lado, há cada vez mais obesos no mundo, que se sentem fracassados por não se encaixarem em nenhum dos modelos vigentes", explica o psiquiatra Wlademir Bacelar do Carmo Filho, que constatou, em uma pesquisa feita com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que os jovens obesos apresentam até quatro vezes mais sintomas depressivos que aqueles com peso normal.
"É preciso colocar na cabeça das pessoas que a obesidade é uma doença de obesos, e não de quem está um pouco acima do peso", frisa o endocrinologista Joseph Repeto, presidente da Abeso. "Há uma idéia, implantada por não sei quem, de que bonita é a mulher cadavérica, e isso é um fator neurotizante", diz. Mas que esteja claro: ninguém defende os vários quilos a mais. Gordura em excesso faz mal, e muito, ao corpo. "A obesidade é ruim. Mas a falsa idéia de que se está obeso quando o que há é apenas excesso de peso pode ser pior porque gera muitos casos de anorexia, que também é uma doença que mata", alerta. Quando emagrecer vira uma neurose, quem mais sofre é a saúde.

Mudança de hábito
Ana Claudia da Silva, 24, já assumiu seu 1,82 metro e seus 150 quilos faz tempo. "Sempre senti pressão para emagrecer, mas sempre fui assumidíssima. Não tinha como ser diferente", conta. No fim do ano passado, no entanto, Ana teve crises de hipertensão em virtude do excesso de peso. "Aí, tive de me sacrificar", diz.
Ela garante que quem está muito gordo nunca liga de comer um ou dois bombons a mais. "Sempre pensava: já que estou desse tamanho, não vou me estressar com uma dieta. Agora, com minha saúde em risco, quero emagrecer 80 quilos."
Não foi por medo da morte nem por problemas de saúde que o estudante de turismo Bruno Barreto Manfrini, 18, resolveu frequentar uma academia de ginástica. "Estou malhando por vaidade, quero perder uns 16 quilos. Aliás, perder, não, que acaba se achando de novo. Quero fazê-los desaparecer", afirma. Com 1,87 metro e 121 quilos, ele assume a postura de gordinho há 13 anos.
Seu primo, Cássio Motta, acompanha-o nos exercícios. Ele diz que está acima do peso há 17 anos, ou seja, a vida toda. Com 1,82 metro e 125 quilos, Cássio justifica a decisão de malhar com um motivo muito natural. "Fica difícil chegar "nas mina" de primeira. Tenho de ficar amigo e só depois dou em cima de verdade e rola alguma coisa", conta.
"Sempre fui muito popular. Tenho muitos amigos. Nunca tive problemas com isso. Já com a paquera era mais difícil", conta Ana. Depois, ela começou a frequentar encontros de gordinhos para "arrumar alguém". E foi lá que conheceu seu namorado, que, segundo ela, não é gordinho. "Ele ia aos encontros porque gosta de gordinhas." E isso fez toda a diferença para ela. "Hoje, eu me acho bonita. Só não me achava antes de tanto me chamarem de gorda. As pessoas relacionam a beleza à magreza. Mas nem todo gordo é feio. Existe muito gordinho lindo por aí."


(colaborou Ricardo Lisbôa)


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