São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2010

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O quebra-cabeça das artes

A 20 DIAS DO FIM, BIENAL DE SÃO PAULO DESAFIA JOVENS A DECIFRAR SUAS OBRAS

GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Faça o seguinte teste consigo próprio: vá à Bienal de São Paulo -em cartaz até o próximo dia 12 no parque Ibirapuera- e escolha uma obra. Olhe bem para ela e faça uma leitura a partir de suas primeiras impressões.
Só depois leia o título -que sempre fica ali ao lado, numa etiqueta- e faça então uma segunda interpretação.
Provavelmente, você vai se deparar com uma leitura diferente da primeira.
Último estágio do exercício: converse sobre essa obra de arte com um dos 300 educadores contratados pela mostra. Você vai costurar uma possível terceira leitura.
Obras de arte são como cebolas: "elas têm muitas camadas", diz a curadora de educação da Bienal, Stela Barbieri. "Essas camadas podem ser exploradas de muitas maneiras. Informar-se leva a novos entendimentos."
E a palavra "entendimento" pode representar até mesmo um sono profundo.

INTERPRETAÇÃO
Foi isso o que aconteceu na primeira visita que os estudantes Matheus Rosenfeld, 19, e Jennifer Tanaka, 18, fizeram à obra "Ninhos", de Hélio Oiticica (1937-1980).
Eles dormiram dentro da obra de um dos mais importantes artistas brasileiros, o cara que iniciou esse negócio de instalações, nos anos 60.
A obra tem 28 camas-cabines. Quem quiser deitar para ler também pode. Só não vale fazer sexo, o que, segundo um monitor, quase ocorreu.
A soneca de Matheus e Jennifer durou meia hora. Na segunda visita que fizeram, aí sim, preocuparam-se mais com a interpretação. "Acho que essa obra representa uma pausa na vida", disse Matheus. "E aqui, na Bienal, pode ser uma pausa depois de tanta informação."
De fato, dar um tempo entre um trabalho e outro, na Bienal, pode ser bom.
A mostra reúne 160 artistas. É muita coisa. Portanto, conforme-se: não dá para ver tudo de uma vez.
Mas não precisa se intimidar. Esse é um conselho da artista Graziela Kunsh. "As coisas exigem tempo. Não dá para passar sem paciência por uma obra", diz ela.
O jeito é selecionar. E fazer o seu próprio mergulho.

ISSO É ARTE?
O estranhamento diante de algumas obras também pode levar você a muitos lugares. O que o argentino Eduardo Navarro, por exemplo, quis dizer com um monte de terra que qualquer um poderia ter juntado daquele jeito e dado o nome de arte?
Para compreender essas coisas esquisitas das artes plásticas, pode ser bom voltar a um passado próximo.
No início do século 20, um movimento chamado dadaísmo propôs uma ruptura com os suportes tradicionais (pintura e escultura).
Seu mais famoso expoente, Marcel Duchamp, chegou a expor um mictório num salão de artes. Um ato simples, que conseguiu contestar toda a rigidez das escolas anteriores. Se aquele produto fabricado em série pudesse falar, provavelmente dali sairia a pergunta: "por que raios para ser artista é preciso segurar um pincel?"
Uma pergunta leva a outra. E a arte, no fim, navega nesse turbilhão de dúvidas, que podem se encerrar em uma última questão: "A obra que está na sua frente fez você enxergar algo que não conhecia?", propõe Barbieri.
Observe. E responda você mesmo.


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