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internet
Drogas via mp3
Site vende sons que
prometem "simular" efeito
de substâncias proibidas;
médico diz que é "impossível";
repórter testa e não sente nada
RICARDO MORENO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM NOVA YORK
Q
uando o americano
Daniel Spagnoli,
22, quer relaxar, ele
já não fica diante da
TV para uma partida de videogame
como fazia antigamente. Desde
o mês passado, Dan, que trabalha no setor de informática da
rede Best Buy e atua como DJ
nos finais de semana, passou a
preferir o conforto das almofadas verde-musgo num canto do
quarto que aluga no Brooklyn,
em Nova York, para desfrutar
de um novo passatempo high-tech chamado I-Doser.
Trata-se de som em mp3,
mas não de música, e sim de
uma combinação alucinante de
batidas e ruídos sonoros supostamente capaz de fazer o cérebro dar piruetas ou entrar num
estado de quase hibernação.
Os efeitos, dizem seus criadores (que se apresentam apenas como "um grupo de músicos underground, pesquisadores e programadores"), são semelhantes ao do consumo moderado de drogas como a cocaína, que causa euforia; a maconha, capaz de deixar o usuário
preguiçoso, sonolento; ou o
ópio, cujo uso proporciona alucinações fortíssimas. Tudo isso
sem os efeitos colaterais ou risco de dependência.
Moda crescente entre os jovens dos EUA, o I-Doser está
amealhando fãs também no
Brasil por meio de seu site
(www.idoser.com) e de programas de troca de arquivo.
"Sinto sensações como tontura, desorientação, formigamento no corpo e até alucinações", afirma Dan. "Prefiro
aquelas para relaxar. Normalmente durmo minutos depois
de começar a ouvir."
Morando em NY desde 2006,
a estudante brasileira de cinema Virginia de Ferrante, 19,
também provou algumas "doses". "Não senti absolutamente
nada", diz. "A não ser um mau
humor crescente por passar
meia hora escutando barulhos
extremamente chatos."
Quarenta tipos
Vendidos apenas pela internet, os mais de 40 tipos de sons
ou "doses", como são chamados, ficam divididos em seções
como "ansiolíticos", "antidepressivos", "sexuais",
"sedativos" e "recreativos", entre outros.
Como o próprio nome diz,
cada dose promete um efeito
bastante específico e custa cerca de US$ 2,50 (R$ 6). Há duas
opções: em uma delas, o usuário deve instalar um pequeno
programa no computador para
ouvir os sons. A outra é comprar um CD por US$ 19,95 (R$
40) e transferir os arquivos para o seu tocador de MP3.
O site sugere que, para obter
os resultados desejados, é necessário o uso de fones de ouvidos confortáveis, um lugar silencioso e pouca luminosidade.
Lesão no ouvido
O efeito tem um nome: chama-se "binaural beats", foi descoberto em 1839 pelo cientista
alemão Heinrich Wilhelm Dove e consiste em produzir diferentes ondas sonoras em uma
freqüência capaz de alterar o
comportamento do cérebro.
Para o médico Jeffrey A. Lieberman, chefe do departamento de psiquiatria da Universidade Columbia e chefe da seção
de psiquiatria do Hospital
Presbiteriano de Nova York, o
que os inventores do I-Doser
prometem é cientificamente
impossível de ocorrer.
"Nenhuma radiofreqüência
tem a capacidade de produzir o
efeito farmacológico obtido
com drogas como a Cannabis e
a cocaína", afirma. "O máximo
que pode acontecer é uma lesão
no ouvido caso o volume esteja
muito alto."
Não é ilegal
Apesar de prometer efeitos
de drogas, o I-Doser está dentro da lei. Afinal, trata-se apenas de uma seqüência de ritmos sonoros, muitos deles semelhantes aos tocados em festas raves. Por outro lado, o site
avisa que não devolve o dinheiro caso o "usuário" não obtenha
a sensação desejada, apesar de
cinicamente colocar uma foto
de uma carreira de cocaína no
link do mp3 correspondente
(veja quadro ao lado).
"Os Estados Unidos têm leis
muito bizarras, mas ainda não
existe uma capaz de proibir a
audição de barulhos estranhos", brinca Tim Wu, professor de direito da Universidade
Columbia e especialista em direitos autorais na internet.
Apesar de a empresa afirmar
que já existe há dois anos, ela só
começou a ficar conhecida no
início de 2007.
Na rede de relacionamentos
Orkut, mais de 4.000 pessoas,
brasileiras em sua maioria, fazem parte de uma comunidade
onde trocam experiências. Nos
blogs, o assunto propaga-se em
ritmo absurdo.
Nas duas últimas semanas, a
reportagem do Folhateen enviou dez e-mails e mensagens
com pedidos de entrevista com
os criadores. A única reposta
foi uma cópia dos textos que
constam no site explicando o
funcionamento do produto.
Eles não fornecem os nomes
dos criadores, endereço ou um
telefone de atendimento ao
cliente. O alerta final vem de
Tim Wu: "O I-Doser pode ser
processado por fraude, afinal
ele vende uma coisa que não
funciona. E isso é propaganda
enganosa".
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