São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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internet

Drogas via mp3

Site vende sons que prometem "simular" efeito de substâncias proibidas; médico diz que é "impossível"; repórter testa e não sente nada

RICARDO MORENO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Q uando o americano Daniel Spagnoli, 22, quer relaxar, ele já não fica diante da TV para uma partida de videogame como fazia antigamente. Desde o mês passado, Dan, que trabalha no setor de informática da rede Best Buy e atua como DJ nos finais de semana, passou a preferir o conforto das almofadas verde-musgo num canto do quarto que aluga no Brooklyn, em Nova York, para desfrutar de um novo passatempo high-tech chamado I-Doser.
Trata-se de som em mp3, mas não de música, e sim de uma combinação alucinante de batidas e ruídos sonoros supostamente capaz de fazer o cérebro dar piruetas ou entrar num estado de quase hibernação.
Os efeitos, dizem seus criadores (que se apresentam apenas como "um grupo de músicos underground, pesquisadores e programadores"), são semelhantes ao do consumo moderado de drogas como a cocaína, que causa euforia; a maconha, capaz de deixar o usuário preguiçoso, sonolento; ou o ópio, cujo uso proporciona alucinações fortíssimas. Tudo isso sem os efeitos colaterais ou risco de dependência.
Moda crescente entre os jovens dos EUA, o I-Doser está amealhando fãs também no Brasil por meio de seu site (www.idoser.com) e de programas de troca de arquivo.
"Sinto sensações como tontura, desorientação, formigamento no corpo e até alucinações", afirma Dan. "Prefiro aquelas para relaxar. Normalmente durmo minutos depois de começar a ouvir."
Morando em NY desde 2006, a estudante brasileira de cinema Virginia de Ferrante, 19, também provou algumas "doses". "Não senti absolutamente nada", diz. "A não ser um mau humor crescente por passar meia hora escutando barulhos extremamente chatos."

Quarenta tipos
Vendidos apenas pela internet, os mais de 40 tipos de sons ou "doses", como são chamados, ficam divididos em seções como "ansiolíticos", "antidepressivos", "sexuais", "sedativos" e "recreativos", entre outros.
Como o próprio nome diz, cada dose promete um efeito bastante específico e custa cerca de US$ 2,50 (R$ 6). Há duas opções: em uma delas, o usuário deve instalar um pequeno programa no computador para ouvir os sons. A outra é comprar um CD por US$ 19,95 (R$ 40) e transferir os arquivos para o seu tocador de MP3.
O site sugere que, para obter os resultados desejados, é necessário o uso de fones de ouvidos confortáveis, um lugar silencioso e pouca luminosidade.

Lesão no ouvido
O efeito tem um nome: chama-se "binaural beats", foi descoberto em 1839 pelo cientista alemão Heinrich Wilhelm Dove e consiste em produzir diferentes ondas sonoras em uma freqüência capaz de alterar o comportamento do cérebro.
Para o médico Jeffrey A. Lieberman, chefe do departamento de psiquiatria da Universidade Columbia e chefe da seção de psiquiatria do Hospital Presbiteriano de Nova York, o que os inventores do I-Doser prometem é cientificamente impossível de ocorrer.
"Nenhuma radiofreqüência tem a capacidade de produzir o efeito farmacológico obtido com drogas como a Cannabis e a cocaína", afirma. "O máximo que pode acontecer é uma lesão no ouvido caso o volume esteja muito alto."

Não é ilegal
Apesar de prometer efeitos de drogas, o I-Doser está dentro da lei. Afinal, trata-se apenas de uma seqüência de ritmos sonoros, muitos deles semelhantes aos tocados em festas raves. Por outro lado, o site avisa que não devolve o dinheiro caso o "usuário" não obtenha a sensação desejada, apesar de cinicamente colocar uma foto de uma carreira de cocaína no link do mp3 correspondente (veja quadro ao lado).
"Os Estados Unidos têm leis muito bizarras, mas ainda não existe uma capaz de proibir a audição de barulhos estranhos", brinca Tim Wu, professor de direito da Universidade Columbia e especialista em direitos autorais na internet.
Apesar de a empresa afirmar que já existe há dois anos, ela só começou a ficar conhecida no início de 2007.
Na rede de relacionamentos Orkut, mais de 4.000 pessoas, brasileiras em sua maioria, fazem parte de uma comunidade onde trocam experiências. Nos blogs, o assunto propaga-se em ritmo absurdo.
Nas duas últimas semanas, a reportagem do Folhateen enviou dez e-mails e mensagens com pedidos de entrevista com os criadores. A única reposta foi uma cópia dos textos que constam no site explicando o funcionamento do produto.
Eles não fornecem os nomes dos criadores, endereço ou um telefone de atendimento ao cliente. O alerta final vem de Tim Wu: "O I-Doser pode ser processado por fraude, afinal ele vende uma coisa que não funciona. E isso é propaganda enganosa".


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