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Vestibular brasileiro é um ritual de brutalidade
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Com sua licença, "Escuta Aqui" esquece um
pouco da música para se solidarizar com
as centenas de milhares de jovens brasileiros
que passam por uma experiência desumana
chamada vestibular.
Nada, teoria nenhuma, justifica impor a alguém de 17 anos que decida o que vai fazer do
resto da vida. E mais: que jogue toda a sua
sorte em um exame brevíssimo, em que é
proibido falhar. Só para você ter uma idéia,
vou resumir aqui como a seleção universitária funciona nos
EUA -onde, aliás, o
sistema está longe de
ser ideal, mas pelo
menos não tortura
tanto a molecada.
Nos EUA, o sucesso depende do histórico escolar e social.
Não há vestibular.
Existe um teste, o
SAT (só com inglês e
matemática), que é um dos itens analisados
pelos selecionadores. Mas contam muito
mais as notas que o sujeito tirou no colégio,
além de, principalmente, as atividades extracurriculares em que se envolveu. Tipo, se participa do grupo de estudos de física, ou do
grupo de teatro, ou se ajuda em obras de caridade, ou se é voluntário no banco de sangue.
Há uns três anos, a revista do "The New
York Times" fez uma reportagem sobre a seleção de Harvard, a mais tradicional e concorrida universidade dos EUA. Foram acompanhados, se não me engano, cinco candidatos.
Só no fim revelou-se o escolhido: uma menina que não era a mais CDF, mas agitava em
obras sociais e organizações comunitárias.
Uma vez aceito, o que rola com o jovem dos
EUA? Será que, de cara, escolhe entre jornalismo, medicina e engenharia eletrônica?
Nada disso. O cara fica pelo menos dois
anos se matriculando no que bem entender
até achar uma área que lhe apeteça. E, mesmo
quando chega a hora de focar mais os estudos,
é muito difícil que a pessoa se forme em algo
específico, tipo química, geologia ou farmácia. É por isso que, quando você pergunta a
um americano em que ele se graduou, a resposta é um nome genérico, tipo "estudos latino-americanos", ou "biologia aplicada".
Nos EUA, as boas faculdades são como ante-salas para a vida real. Buscam formar cidadãos, gente preparada para desafios reais.
Pode-se argumentar que universitários dos
EUA sabem menos ciência básica do que os
brasileiros. É verdade. Um aluno de biologia
em Harvard, por exemplo, manja menos de
biologia do que um cara que faz esse curso em
uma boa universidade daqui.
Mas pode ter certeza de que o formado em
Harvard está mais preparado para sobreviver
que o nerd que se mata de estudar na USP e
que, depois, não sabe o que fazer da vida.
O ensino superior brasileiro valoriza um tipo de conhecimento
estreito.
E a expressão inicial
dessa distorção se chama vestibular.
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