São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 2002

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Vestibular brasileiro é um ritual de brutalidade

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Com sua licença, "Escuta Aqui" esquece um pouco da música para se solidarizar com as centenas de milhares de jovens brasileiros que passam por uma experiência desumana chamada vestibular.
Nada, teoria nenhuma, justifica impor a alguém de 17 anos que decida o que vai fazer do resto da vida. E mais: que jogue toda a sua sorte em um exame brevíssimo, em que é proibido falhar. Só para você ter uma idéia, vou resumir aqui como a seleção universitária funciona nos EUA -onde, aliás, o sistema está longe de ser ideal, mas pelo menos não tortura tanto a molecada.
Nos EUA, o sucesso depende do histórico escolar e social. Não há vestibular. Existe um teste, o SAT (só com inglês e matemática), que é um dos itens analisados pelos selecionadores. Mas contam muito mais as notas que o sujeito tirou no colégio, além de, principalmente, as atividades extracurriculares em que se envolveu. Tipo, se participa do grupo de estudos de física, ou do grupo de teatro, ou se ajuda em obras de caridade, ou se é voluntário no banco de sangue.
Há uns três anos, a revista do "The New York Times" fez uma reportagem sobre a seleção de Harvard, a mais tradicional e concorrida universidade dos EUA. Foram acompanhados, se não me engano, cinco candidatos. Só no fim revelou-se o escolhido: uma menina que não era a mais CDF, mas agitava em obras sociais e organizações comunitárias.
Uma vez aceito, o que rola com o jovem dos EUA? Será que, de cara, escolhe entre jornalismo, medicina e engenharia eletrônica?
Nada disso. O cara fica pelo menos dois anos se matriculando no que bem entender até achar uma área que lhe apeteça. E, mesmo quando chega a hora de focar mais os estudos, é muito difícil que a pessoa se forme em algo específico, tipo química, geologia ou farmácia. É por isso que, quando você pergunta a um americano em que ele se graduou, a resposta é um nome genérico, tipo "estudos latino-americanos", ou "biologia aplicada".
Nos EUA, as boas faculdades são como ante-salas para a vida real. Buscam formar cidadãos, gente preparada para desafios reais.
Pode-se argumentar que universitários dos EUA sabem menos ciência básica do que os brasileiros. É verdade. Um aluno de biologia em Harvard, por exemplo, manja menos de biologia do que um cara que faz esse curso em uma boa universidade daqui.
Mas pode ter certeza de que o formado em Harvard está mais preparado para sobreviver que o nerd que se mata de estudar na USP e que, depois, não sabe o que fazer da vida.
O ensino superior brasileiro valoriza um tipo de conhecimento estreito.
E a expressão inicial dessa distorção se chama vestibular.


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