São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

comportamento

Papo maluco

Jovens quebram a cabeça e inventam linguagens próprias para conversarem com os amigos ou darem voz a personagens de histórias fantásticas

DIOGO BERCITO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A cordo ortográfico? Que nada. Enquanto alguns quebram a cabeça para se adequar a novas regras da língua portuguesa, outros estão preocupados mesmo é em criar idiomas e modificá-los como bem entenderem. Para essa gente, tanto faz se a linguiça vai perder o trema. Por exemplo, no teuto, língua inventada por Leonardo Antonini, 23, a palavra para linguiça é outra, inclusive -"vorste".
Leonardo começou a criar o teuto em fevereiro de 2008. Hoje, o glossário do idioma já tem mais de mil palavras. "É uma língua do tronco indo-europeu", explica. "E a completei com um pouco de protogermânico, sânscrito, protocelta, protoiraniano, grego e outras línguas antigas. É claro, houve também muita imaginação para combinar tudo isso."
O mu lanc, criado por João Paulo Berrêdo, 21, teve outra origem -veio da mistura das línguas latinas, com as quais ele teve contato quando participava de um coral. O interesse resultou não só no novo idioma mas também no aprendizado dos que já existiam. Hoje, João fala espanhol, francês, inglês e alemão e pesquisa na internet sobre romeno, latim e italiano.
Na prática, a língua tem pouca utilidade. "Uso para fazer anotações no meu diário", revela o inventor. "Meus amigos sabem, mas não se interessam. Mas eu também não me interesso em ensinar, é uma coisa minha, para exercitar minha criatividade", explica.
Já o maladês, língua criada há quatro anos por José Luiz Freitas Aléo, 19, teve resultados indiretamente proveitosos ao estudante de letras. "Ajudou, por exemplo, nas notas em linguística", comemora.
O número de falantes do maladês é, hoje, baixo -apenas um. "Só eu falo, é um passatempo solitário", confessa.
"Uso para escrever lembretes ou coisas que ninguém mais pode ler", exemplifica. "Meus amigos acham que é loucura [criar uma língua], mas é um hábito comum pra quem já criou um mundo imaginário", conclui José Luiz.
É o caso de J.R.R. Tolkien, que escreveu "O Senhor dos Anéis" e é a estrela guia dos criadores de novos idiomas (leia mais na pág. 8).
E é também o caso do estudante André Mattana, 20, que inventa palavras para a "língua antiga" falada pelos povos que habitam o mundo do romance que está escrevendo.
Mas André não concentra seus esforços em criar uma língua, como Leonardo ou João: "O que eu faço é inventar palavras a partir de um conjunto de estruturas em comum, para que elas pareçam relacionadas". Por exemplo, usa a letra "i" no final para indicar plural.
As palavras novas, assim como as demais anotações do escritor, preenchem as páginas do caderninho surrado em que registra as ideias.

Pouco a pouco
A criação de uma nova língua, para Ygor Coelho Soares, 20, "é um processo". "Inventei o lissemês aos 13 anos e até hoje trabalho em cima dele", relata.
Em vez de buscar inspiração nas línguas que já existem, Ygor procurou justamente afastar-se delas. "Quis criar alguma coisa diferente, a partir do zero".
Para se inspirar, o jovem gosta de navegar pelos verbetes da Wikipedia escritos em idiomas que não conhece. "Descobri que há várias maneiras de se expressar", explica.
O inventor desenvolveu uma gramática própria para seu idioma, mas conta que se diverte mesmo é na hora de engordar o vocabulário. "Cada palavra tem sua própria história."
Quanto ao futuro do lissemês, Ygor não faz muitos planos. "O que sei é que criar me dá prazer", diz Ygor.


Texto Anterior: 02 Neurônio: Ajude os velhinhos!
Próximo Texto: Comportamento: Outras línguas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.