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TRABALHO
A faculdade de relações internacionais é uma das
mais disputadas nos vestibulares do Brasil;
opção divide especialistas e confunde estudantes
Os internacionalistas
LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos anos 80, havia apenas dois. Em
dezembro de 2005, já eram 84, sendo 17 deles somente em São Paulo.
Sétimo curso mais concorrido da Fuvest,
na frente de carreiras clássicas, como direito e administração, o bacharelado em relações internacionais (RI) teve a terceira nota
de corte mais alta do último vestibular da
Universidade de São Paulo: 68 pontos. E a
primeira turma entrou nessa nova faculdade da USP somente em 2002.
Portanto, tanto pela oferta de vagas como
pelo alto nível da concorrência, não há como negar que a carreira é a bola da vez entre os estudantes que enxergaram na globalização e na abertura da economia brasileira uma maneira de abraçar o mundo.
Mas, afinal, a carreira de "internacionalista" (como começa a ser chamado, provisoriamente, o profissional de RI) é o melhor caminho para alcançar posição em
empresas, em agências e em organizações
governamentais, no serviço diplomático
ou no próprio sistema universitário?
Ou é um daqueles cursos que atraem estudantes indecisos que aproveitam da característica interdisciplinar do bacharelado
em RI para ganhar tempo enquanto tentam encontrar a vocação profissional?
"Não diria que atrai indecisos, mas seguramente atrai jovens com curiosidade de
entender o mundo que os cerca e com disposição de explorar caminhos de profissionalização não tradicionais", explica a coordenadora do bacharelado em relações internacionais da USP e vice-diretora do Instituto de Relações Internacionais, Maria
Hermínia Tavares de Almeida.
"O bacharelado em RI proporciona uma
sólida formação básica no estudo de problemas internacionais de forma a permitir
que o aluno possa atuar em qualquer organização com atuação internacional", explica Maria Hermínia.
"Meu grande sonho é trabalhar na ONU,
na AIEA (Agência Internacional de Energia
Atômica). O único problema é que eu não
sei como chegar lá. Acho que o Itamaraty
seria um caminho", conta o estudante do
segundo ano do ensino médio Ricardo Tenório, 16, que pretende prestar RI.
Mas seria essa a melhor forma para o desejo de Ricardo se realizar? "Não acho que
seja importante fazer RI se você quiser fazer o Instituto Rio Branco [responsável pela seleção e pela formação de diplomatas].
Quem quer o Itamaraty pode ser formado
em qualquer graduação. Não é verdade que
quem faz RI esteja mais bem preparado",
diz Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana pela USP e colunista da Folha.
"Mas também não é verdade dizer que o
pessoal de direito esteja. Todos os cursos
ajudam em alguma coisa no concurso do
Itamaraty. Depende mais do perfil de cada
indivíduo. Ninguém deveria escolher a faculdade em função disso", afirma Magnoli.
O diplomata de carreira e doutor em
ciências sociais Paulo Roberto de Almeida
é um dos maiores críticos ao curso de RI.
"Não tenho certeza de que esse seja o melhor caminho para quem aspira a ser alguma coisa na vida, pois se trata de uma área
relativamente nova e não suficientemente
"testada" nos mercados de trabalho."
Para Almeida, o recrutamento para o Rio
Branco é altamente seletivo e a formação
deveria ser focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas, como economia e direito. Mas, segundo ele, não é seguro que um curso de RI consiga dar todas
as competências requeridas, apesar de ele
ser provavelmente o que mais estaria dentro do "campo" da diplomacia profissional.
"Acontece, porém -e isso precisa ficar
muito claro aos aspirantes à carreira diplomática-, que, sendo esse recrutamento
caracterizado pela "hecatombe" de 90% dos
candidatos, os "não-entrantes" precisam
"sobreviver" nas profissões normais, e aqui
o nicho das relações internacionais ainda é
relativamente difícil", explica o diplomata.
Há quem pretenda prestar RI mas queira
distância do Itamaraty. Rafael Tarasantchi,
16, que está no terceiro ano do ensino médio, é um deles. Porém ele faz parte do clube que escolheu prestar RI por indecisão.
"Espero que o curso me prepare bem para qualquer coisa que eu queira. Sei que
muita gente diz que é um curso em que ao
mesmo tempo você sabe de tudo e de nada.
Mas depende dos seus interesses. É mais
para quem gosta de humanas", diz Rafael.
"A escolha de uma profissão e de uma faculdade é muito difícil, e o melhor guia para as pessoas é fazer aquilo de que gostam,
porque, se gostarem, vão fazer bem, ter emprego e ser bem remuneradas", garante o
embaixador Sérgio Amaral, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da FAAP
(Fundação Armando Álvares Penteado).
Para ele, o pretendente a uma vaga em RI
"tem de ter uma curiosidade grande pelo
mundo, pela diversidade e pelos outros
países e precisa de uma capacitação um
pouco especial, que é o conhecimento de
línguas, o que no Brasil não era um requisito tão importante e hoje é cada vez mais".
Gabriel Leicand, 18, faz cursinho com o
objetivo de entrar em RI. Ele sempre adorou geografia, política, economia e história
atual. "Sempre pensei em prestar ciências
sociais ou história, mas eu me interesso
muito mais pela atualidade. Quando descobri que RI tinha tudo de economia, de direito e de história atual, decidi prestar."
Elisa Klüger, 18, é aluna do primeiro ano
de RI na USP. "Acho que muita gente está
aqui e não sabe o que vai encontrar no futuro, que vem porque tem um pouquinho de
tudo, porque é de humanas e porque tem
mercado. Sinceramente, eu não concordo
que há mercado. O mercado não está preparado para os formados em RI, pois eles
concorrem com profissionais de outras
áreas, como economia", defende Elisa.
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