São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

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ESTANTE

A cor do mundo quando visto bem perto do abismo

Imagine um cego e um outro cara, ambos dentro de um lugar quase totalmente fechado, o cego perguntando de que cor está o mundo. E o sujeito responde: "Cinzento". Em seguida, ele se corrige, modificando o nome da cor do mundo: "Preto claro". Um mundo preto claro, medonho, com uma cor que não existe.
Esse é apenas um pedaço de diálogo de uma das peças mais atordoantes já escritas: "Fim de Partida", do sensacional escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989).
Apesar de ter levado uma vida pessoal bastante regular, Beckett desenvolveu uma literatura em que o horror do mundo está todo concentrado na paisagem e, mais ainda, nas relações entre os indivíduos.
Em "Fim de Partida", aparecem dois sujeitos, Hamm e Clov. Dão a entender que não se suportam, mas não conseguem sair um de perto do outro. O elenco se completa com a presença de um casal de velhos. Nenhum deles tem ilusão quanto ao futuro do mundo -e nisso, segundo se comenta, Beckett alude ao mundo do pós-Guerra.
A peça é interessantíssima, mas requer um pouco de estômago, porque os quatro seres se apresentam em toda a sua decadência e mesquinhez, como se representassem a nós todos de modo concentrada, registrando as baixezas que nos fazem humanos e que são pavorosas quando vistas de perto: autoritarismo, falta de solidariedade, compaixão interesseira, solidão, falta de esperança. Fim de partida mesmo.

"Fim de Partida"
Autor: Samuel Beckett
Tradução: Fábio de Souza Andrade
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 39



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