São Paulo, segunda, 31 de maio de 1999

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política
O segredo das ligações perigosas da Telebrás

GUSTAVO PATÚ
da Sucursal de Brasília

Quem acompanha as notícias sobre a privatização da Telebrás tem a oportunidade rara de conhecer um fato histórico com uma dimensão que os livros de história não podem oferecer.
Dá para saber não só que a Telebrás foi vendida, por quanto e por quê, mas entender como as decisões são tomadas, o que as autoridades conversam entre si, suas inseguranças e vaidades, até que palavrões elas falam.
Isso tudo é possível, infelizmente, graças a um crime. Alguém gravou de forma ilegal um monte de conversas telefônicas dos responsáveis pela venda da empresa.
Desde o ano passado, as fitas vêm chegando aos jornais e revistas. Na semana passada, a Folha publicou o conteúdo das gravações mais completo até agora.
Comparar as versões oficiais com o que as fitas mostram é mais ou menos como comparar uma aulinha de educação sexual com um filme pornô.
A Telebrás foi vendida num leilão. Um leilão, na teoria, todos imaginam. Há diversos interessados em comprar algo, cada um faz sua oferta, leva quem estiver disposto a pagar mais.
Como mostram as fitas, o maior leilão da história do Brasil foi diferente. O leiloeiro (o governo) atraiu os interessados, orientou alguns deles, arrumou até dinheiro para as ofertas e continuou se metendo na vida da Telebrás depois da venda.

O favorito
No dia 29 de julho de 98, a Telebrás -dividida em 12 empresas diferentes, cada uma com seu próprio leilão- foi vendida por R$ 22 bilhões, dinheiro que dá e sobra para bancar as universidades federais do país durante três anos.
Um dos pedaços mais cobiçados da Telebrás era a Tele Norte Leste, que ficaria com a telefonia fixa do Rio, de Minas e de outros 14 Estados. A venda dessa empresa é o principal assunto das conversas gravadas.
Véspera do leilão, havia dois candidatos a levar a Tele Norte Leste. O favorito nas apostas era um grupo de empresas liderado pelo Banco Opportunity e pela empresa italiana Stet.
Naquele mesmo dia, uma conversa entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e o responsável pelo leilão -o economista André Lara Resende- mostra que o Opportunity não era o favorito só nas apostas.
Lara Resende diz a FHC que o outro concorrente, a Telemar, não merece muita confiança por não ter tradição no setor de telefonia. "É um risco enorme."
Sua sugestão é dar apoio ao Opportunity -"turbiná-lo"- para reduzir as chances da Telemar.
O apoio tinha nome: uma sociedade com a Previ, empresa encarregada de administrar uma bolada de dinheiro que, no futuro, vai servir para pagar as aposentadorias dos funcionários do Banco do Brasil. Com a Previ do seu lado, o Opportunity poderia fazer uma proposta imbatível -R$ 5,1 bilhões, como se soube em outra fita- e arrematar a Tele Norte Leste.
No papel, a Previ é uma empresa privada. Na prática, ela obedece muito ao Banco do Brasil, que, por sua vez, obedece 100% ao presidente da República. Lara Resende queria usar o nome de FHC para pressionar a Previ. "Não tenha dúvida", foi a resposta.

Deu errado
O desfecho da história tem um lado engraçado. O Opportunity também estava inscrito no leilão de outra parte da Telebrás, a Tele Centro Sul (região Centro-Oeste e parte do Sul e do Norte), mas deveria perder essa disputa para a empresa espanhola Telefônica.
Como todo mundo sabe, mas ninguém esperava na época, a Telefônica ganhou o leilão da Telesp. Sozinho na disputa, o Opportunity ganhou sem querer a Tele Centro Sul. E a Tele Norte Leste acabou, vejam só, com a Telemar.



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