|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
política
O segredo das ligações perigosas da Telebrás
GUSTAVO PATÚ
da Sucursal de Brasília
Quem acompanha as notícias sobre a privatização da Telebrás tem
a oportunidade rara de conhecer
um fato histórico com uma dimensão que os livros de história não
podem oferecer.
Dá para saber não só que a Telebrás foi vendida, por quanto e por
quê, mas entender como as decisões são tomadas, o que as autoridades conversam entre si, suas inseguranças e vaidades, até que palavrões elas falam.
Isso tudo é possível, infelizmente, graças a um crime. Alguém gravou de forma ilegal um monte de
conversas telefônicas dos responsáveis pela venda da empresa.
Desde o ano passado, as fitas vêm
chegando aos jornais e revistas. Na
semana passada, a Folha publicou
o conteúdo das gravações mais
completo até agora.
Comparar as versões oficiais
com o que as fitas mostram é mais
ou menos como comparar uma
aulinha de educação sexual com
um filme pornô.
A Telebrás foi vendida num leilão. Um leilão, na teoria, todos
imaginam. Há diversos interessados em comprar algo, cada um faz
sua oferta, leva quem estiver disposto a pagar mais.
Como mostram as fitas, o maior
leilão da história do Brasil foi diferente. O leiloeiro (o governo)
atraiu os interessados, orientou alguns deles, arrumou até dinheiro
para as ofertas e continuou se metendo na vida da Telebrás depois
da venda.
O favorito
No dia 29 de julho de 98, a Telebrás -dividida em 12 empresas
diferentes, cada uma com seu próprio leilão- foi vendida por R$ 22
bilhões, dinheiro que dá e sobra
para bancar as universidades federais do país durante três anos.
Um dos pedaços mais cobiçados
da Telebrás era a Tele Norte Leste,
que ficaria com a telefonia fixa do
Rio, de Minas e de outros 14 Estados. A venda dessa empresa é o
principal assunto das conversas
gravadas.
Véspera do leilão, havia dois candidatos a levar a Tele Norte Leste.
O favorito nas apostas era um grupo de empresas liderado pelo Banco Opportunity e pela empresa italiana Stet.
Naquele mesmo dia, uma conversa entre o presidente Fernando
Henrique Cardoso e o responsável
pelo leilão -o economista André
Lara Resende- mostra que o Opportunity não era o favorito só nas
apostas.
Lara Resende diz a FHC que o
outro concorrente, a Telemar, não
merece muita confiança por não
ter tradição no setor de telefonia.
"É um risco enorme."
Sua sugestão é dar apoio ao Opportunity -"turbiná-lo"- para
reduzir as chances da Telemar.
O apoio tinha nome: uma sociedade com a Previ, empresa encarregada de administrar uma bolada
de dinheiro que, no futuro, vai servir para pagar as aposentadorias
dos funcionários do Banco do Brasil. Com a Previ do seu lado, o Opportunity poderia fazer uma proposta imbatível -R$ 5,1 bilhões,
como se soube em outra fita- e
arrematar a Tele Norte Leste.
No papel, a Previ é uma empresa
privada. Na prática, ela obedece
muito ao Banco do Brasil, que, por
sua vez, obedece 100% ao presidente da República. Lara Resende
queria usar o nome de FHC para
pressionar a Previ. "Não tenha dúvida", foi a resposta.
Deu errado
O desfecho da história tem um
lado engraçado. O Opportunity
também estava inscrito no leilão
de outra parte da Telebrás, a Tele
Centro Sul (região Centro-Oeste e
parte do Sul e do Norte), mas deveria perder essa disputa para a empresa espanhola Telefônica.
Como todo mundo sabe, mas
ninguém esperava na época, a Telefônica ganhou o leilão da Telesp.
Sozinho na disputa, o Opportunity
ganhou sem querer a Tele Centro
Sul. E a Tele Norte Leste acabou,
vejam só, com a Telemar.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|