São Paulo, sábado, 9 de outubro de 2010

Menino miúdo

POR BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS

Eu, menino miúdo, vivi uma infância farta de medo. Cheio de penas e despenado, guardava no corpo magrelo um medo azedo roendo o dia, ruminando a noite. Ai! Medo de não crescer e ter a força dos braços do pai. Medo aflito de não aprender a ler e escrever, e na escola viver de cola. Medo de não ter uma calça comprida -sob medida- para cobrir minhas pernas longas contra as picadas dos pernilongos. Medo de encontar a mula-sem-cabeça, rondando a rua, babando uma baba de fogo gelado e me roubando para viver na Lua, branca e crua. Medo imenso de em sonho sonhar com lobisomem, vestido de anjo, adivinhando meus perdidos pensamentos. Medo da vaca amarela pular a minha janela com o boi da cara preta me fazendo feia careta.

Eu, menino miúdo, morria de medo do escuro não acabar e do dia não terminar. Medo de ter que cair da montanha mais alta, com a barriga fria, só para crescer. Medo de engolir todas as piabas do poço e nunca boiar e me afogar cheio de peixes sem me salvarem. Medo de não decifrar a linha do horizonte que me diziam existir muito depois da serra muito depois do mar.

Ah! Quanta saudade eu tenho, de menino miúdo, viver morrendo de medo. Agora só lembrança -sem esperança- de mergullhar nos antigos medos.

BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, 66, é mineiro e autor de 65 livros, entre eles "Indez" (ed. Global), em que narra sua infância em Papagaio (MG). Desde criança, gosta do silêncio e de observar a natureza. No meio da alegria, sempre apareciam os medos de não crescer.

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