THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O último tema da seção "Redação do Leitor" desta temporada foi o balanço que Chico Buarque fez do comportamento da sociedade brasileira em tempos de liberdade política. O trecho escolhido é parte de uma entrevista concedida pelo autor à Folha em dezembro passado.
Chico Buarque, um dos artistas e intelectuais que enfrentaram as forças da repressão durante o regime militar, é uma testemunha particularmente abalizada da história contemporânea do Brasil.
Se no tempo de "Cálice", em que era preciso lançar mão de inteligentes artifícios de linguagem para dizer o que não deveria ser calado, havia ideais, hoje os valores humanistas parecem ter deixado de ser uma referência na vida das pessoas. A dimensão coletiva, que está na base do que se pretenda chamar de cidadania, vem sendo atropelada pelo rolo compressor do individualismo.
Esse estado de coisas é, infelizmente, propício ao fomento do preconceito, cuja origem sempre está na percepção do outro como diferente. Chico Buarque, entretanto, vai mais longe em suas considerações ao apontar a existência de um comportamento a um só tempo conformista e cínico ante uma perturbadora falta de perspectiva de mudanças.
Nessa conjuntura, assume caráter preocupante a disseminação entre os jovens do cinismo, atitude de quem trocou o sonho de um mundo mais justo pela promessa da tranqüilidade burguesa do consumo. Os valores humanistas parecem ter saído do repertório das novas gerações. Que esperar, então, do futuro?
Segundo Chico Buarque, "ser reacionário se tornou de bom-tom". Se isso for verdade, o cinismo terá vencido e transformado em sonhos de consumo os ideais de justiça e paz.