São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009
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GRAMÁTICA

Sufixos perdem sentido original


Perdendo a informação semântica específica, os diminutivos deram origem a novas palavras


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nem tudo é o que parece -e isso também se aplica à língua. Estamos acostumados a associar a terminação "-inho(a)" das palavras ao grau diminutivo e a terminação "-ão" ao seu grau aumentativo.
Em muitos casos, estaremos agindo acertadamente, mas nem sempre. "Galinha", "farinha" e "rainha", por exemplo, estão no seu grau normal.
"Pão", "cão" ou "alemão", por sua vez, não são aumentativos.
A interpretação popular dos fenômenos linguísticos, no entanto, pode dar origem a novos termos. A palavra "botequim", no grau normal, por causa da sua terminação, foi confundida com um diminutivo e deu origem ao tão popular "boteco".
A perda do sufixo (no caso, um falso sufixo) fez surgir outra palavra, num processo chamado derivação regressiva. Foi isso, aliás, o que ocorreu com "sarampão", o nome original da doença que hoje conhecemos como "sarampo". Por parecer um aumentativo, acabou perdendo o falso sufixo ("-ão").
Na história da língua, também ocorreu outro fenômeno relativo aos sufixos de diminutivo e de aumentativo. Muitas vezes, eles foram perdendo a informação semântica específica e deram origem a novas palavras, isto é, os termos passaram por um processo de ressignificação graças ao apagamento da noção de tamanho antes presente nos sufixos.
O "camarim", por exemplo, hoje o recinto onde os atores se preparam antes de entrar em cena, era um diminutivo de "câmara", esta entendida como um aposento da casa, em especial o quarto de dormir. "Selim", o assento da bicicleta, é um diminutivo de "sela"; "cutícula", diminutivo erudito de "cútis", é a película que cresce em torno das unhas; "glóbulo" é um diminutivo de "globo" etc.
"Caixão", por exemplo, já não se usa como aumentativo de "caixa" -e "caixinha", por sua vez, pode ser até um sinônimo de gorjeta, já num processo figurativo metonímico.
"Portão", "cartão", "papelão" e mesmo "palavrão" também não funcionam como aumentativos. O diminutivo de "folha" é "folhinha", mas "folhinha" também pode ser um sinônimo de calendário. Também são os sufixos de diminutivo que aparecem em termos como "camiseta" e "camisola" - caso em que o uso consagrou diferentes significados em cada lado do Atlântico.
Os portugueses chamam de "camisola" o que por aqui chamamos de "camiseta".
A palavra "estilete" também carrega um sufixo de diminutivo. Sim, trata-se de um diminutivo de "estilo", que, no passado, longe do abrangente leque de significados que tem hoje, era um ferro pontudo que se usava para escrever em tábuas enceradas.
A viagem pela história das palavras é um caminho para adentrar o fascinante estudo da língua.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL.


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