São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008
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VALE A PENA SABER/LITERATURA

Conto convida à reflexão sobre valores

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No ano do centenário de sua morte, Machado de Assis, que é presença constante nos exames vestibulares, tem tido seu nome relembrado em exposições e relançamentos de sua impressionante obra.
Conhecido sobretudo por seus romances "D. Casmurro" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas", Machado de Assis, na opinião de boa parte da crítica, atingiu o ápice de seu poder de síntese nas narrativas curtas.
Foi nos contos que apurou o seu estilo inconfundível, marcado pela sucessão de ironias a serviço de uma visão negativista (ou realista?) do mundo. Exemplar disso é, entre muitos outros, o "Conto de Escola", uma verdadeira lição de ética -ainda que às avessas.
Esse conto pode ser um bom início para quem ainda não leu Machado. O ambiente escolar, muito presente na vida dos estudantes, é palco de grande parte das experiências da adolescência e do início da juventude. O relacionamento com os colegas, as regras de convivência, a figura de autoridade, tudo isso é, de alguma forma, aprendido na escola -ou, pelo menos, espera-se que seja assim.
Na narrativa machadiana, a "moral da história" é irônica porque é exatamente na escola que o garoto aprende a corrupção e a delação. A própria escola, com seus métodos, é questionada: é um ambiente ameaçador (pendurada na parede, a palmatória a espreitar os alunos), de disciplina rígida, mas, ao mesmo tempo, percebido como decadente. Veja-se a descrição da entrada do mestre na sala de aula diante dos alunos, todos em pé em atitude respeitosa, enquanto ele ajeita a bolsa de rapé na gaveta.
A crítica à escola, entretanto, está inserida numa crítica mais ampla, que engloba uma sociedade ainda escravocrata, na qual o castigo físico é algo corriqueiro e aceito.
A autoridade que se afirma pela imposição do medo aparece não só na figura do professor como também na do pai do garoto Pilar, "um velho empregado do Arsenal da Guerra, ríspido e intolerante", hábil no manuseio da vara de marmeleiro.
Dentro da escola, como fora dela, embatem-se sentimentos como inveja, cobiça, medo, arrependimento, tentação. No ambiente escolar, porém, tudo isso aparece envolto numa aura de ingenuidade, a ingenuidade das crianças, que praticam a corrupção e a delação apenas com uma vaga impressão de que o fazem.
O comportamento das pessoas diante dos dilemas do cotidiano é a tônica dos contos de Machado. As atitudes, mais do que quaisquer palavras, dão a medida de cada um. Com certeza, a leitura do texto rende uma boa discussão sobre ética e solidariedade.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO , consultora de língua portuguesa da "Folha de S.Paulo", é autora dos volumes "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula" (Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL)


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