São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002
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PORTUGUÊS

Pronome átono nem sempre é complemento verbal

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nem sempre os pronomes átonos (me, te, se, nos, vos, lhe etc.) funcionam como complementos verbais (objeto direto e objeto indireto). Por exemplo, no conhecido verso de Camões "Alma minha gentil que te partiste", o pronome átono "te" não exerce função de complemento, dado que o verbo é intransitivo. Se esse pronome fosse omitido, não haveria mudança de sentido.
Mais de uma razão, entretanto, leva o poeta a usá-lo. Esse pronome é responsável pelo realce da ação de "partir" e, ao mesmo tempo, assegura o número de sílabas do verso, um decassílabo. Portanto a escolha feita por Camões obedeceu a um critério estilístico.
Esse é o mesmo recurso empregado por Manuel Bandeira no verso "Vou-me embora pra Pasárgada". O verbo "ir" também é intransitivo e aparece acompanhado de um pronome que enfatiza a ação. Na linguagem cotidiana, esse uso é freqüente.
Nesses casos, vimos que a partícula expletiva -é como se chama esse pronome que realça a ação- e o sujeito sempre pertencem à mesma pessoa gramatical.
Já, em uma construção como "Não me saia daqui!", o verbo é intransitivo -não admite, portanto, complemento-, mas o pronome (me) e o sujeito (você) não são da mesma pessoa do discurso. O pronome não realça a ação em si, antes revela o interesse do emissor nela. Esse pronome também poderia ser omitido sem prejuízo de sentido, mas a sua presença acrescenta um traço estilístico à frase. É o que se chama "objeto indireto de interesse".
Nos versos de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) "Se eu pudesse trincar a terra toda/ E sentir-lhe um paladar", o pronome "lhe", normalmente um pronome de objeto indireto, tem valor de pronome possessivo. O verbo "sentir" admite apenas o objeto direto (um paladar), e o pronome "lhe" equivale ao possessivo "seu" (E sentir um paladar seu). Por associar-se ao substantivo, o pronome átono é analisado como adjunto adnominal.
Numa construção como "Esse argumento lhe será útil mais tarde", o pronome "lhe" também não exerce função de complemento verbal, pois o verbo da oração é de ligação (será). O pronome equivale às expressões "a ele" ou "a você", mas essas expressões relacionam-se sintaticamente com o adjetivo "útil" (Esse argumento será útil a você), não com o verbo. Associado ao adjetivo, esse pronome exerce função sintática de complemento nominal.


Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha


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