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PORTUGUÊS
Pronome átono nem sempre é complemento verbal
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nem sempre os pronomes átonos (me, te, se, nos, vos, lhe
etc.) funcionam como complementos verbais (objeto direto e
objeto indireto). Por exemplo, no
conhecido verso de Camões "Alma minha gentil que te partiste",
o pronome átono "te" não exerce
função de complemento, dado
que o verbo é intransitivo. Se esse
pronome fosse omitido, não haveria mudança de sentido.
Mais de uma razão, entretanto,
leva o poeta a usá-lo. Esse pronome é responsável pelo realce da
ação de "partir" e, ao mesmo tempo, assegura o número de sílabas
do verso, um decassílabo. Portanto a escolha feita por Camões obedeceu a um critério estilístico.
Esse é o mesmo recurso empregado por Manuel Bandeira no
verso "Vou-me embora pra Pasárgada". O verbo "ir" também é
intransitivo e aparece acompanhado de um pronome que enfatiza a ação. Na linguagem cotidiana, esse uso é freqüente.
Nesses casos, vimos que a partícula expletiva -é como se chama
esse pronome que realça a ação-
e o sujeito sempre pertencem à
mesma pessoa gramatical.
Já, em uma construção como
"Não me saia daqui!", o verbo é
intransitivo -não admite, portanto, complemento-, mas o
pronome (me) e o sujeito (você)
não são da mesma pessoa do discurso. O pronome não realça a
ação em si, antes revela o interesse
do emissor nela. Esse pronome
também poderia ser omitido sem
prejuízo de sentido, mas a sua
presença acrescenta um traço estilístico à frase. É o que se chama
"objeto indireto de interesse".
Nos versos de Alberto Caeiro
(heterônimo de Fernando Pessoa) "Se eu pudesse trincar a terra
toda/ E sentir-lhe um paladar", o
pronome "lhe", normalmente um
pronome de objeto indireto, tem
valor de pronome possessivo. O
verbo "sentir" admite apenas o
objeto direto (um paladar), e o
pronome "lhe" equivale ao possessivo "seu" (E sentir um paladar
seu). Por associar-se ao substantivo, o pronome átono é analisado
como adjunto adnominal.
Numa construção como "Esse
argumento lhe será útil mais tarde", o pronome "lhe" também
não exerce função de complemento verbal, pois o verbo da oração é de ligação (será). O pronome equivale às expressões "a ele" ou "a você", mas essas expressões relacionam-se sintaticamente com o adjetivo "útil" (Esse argumento será útil a você), não com o verbo. Associado ao adjetivo, esse
pronome exerce função sintática de complemento nominal.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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