São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2007
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LITERATURA

Machado e Eça: dois realistas bem diferentes

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na lista de leituras indicadas para os vestibulares da USP e da Unicamp, figuram dois livros do chamado período realista: "A Cidade e as Serras" (1901), do português Eça de Queirós, e "Dom Casmurro" (1900), do brasileiro Machado de Assis. Embora contemporâneos, os romances diferem em muitos aspectos, da linguagem à temática. Em "A Cidade e as Serras", vamos encontrar um Eça já bem menos irônico e mais voltado para uma reflexão de cunho humanista e idealista, afastado da acidez e do sarcasmo de "O Crime do Padre Amaro".
"A Cidade e as Serras" é uma divertida crítica ao excesso de tecnologia, que cria dependência e afasta o homem de valores essenciais, como a simplicidade. Nesse romance, Eça exprime a superação dos valores cientificistas próprios da época em que vivia, sob a influência da Revolução Industrial. O romance descreve a trajetória de Jacinto, que vai trocar Paris, o berço da civilização, e o palacete de número 202, onde vive cercado dos mais sofisticados equipamentos, pela vida campestre, no retorno a Portugal.
A questão central de Jacinto de Tormes é a busca da felicidade. Estaria ela no conforto propiciado pela tecnologia ou no contato com a natureza? A indagação é atual -afinal, o tédio e a alienação são subprodutos do excesso de conforto.
Enquanto Eça retratava um personagem entediado com a civilização, Machado de Assis trazia a público sua obra magistral, o "Dom Casmurro", na qual o personagem central, Bentinho, apelidado Dom Casmurro por ser um "homem calado e metido consigo", se digladia com a dúvida sobre a possibilidade de ter sido vítima de adultério.
A história de Bentinho e Capitu é das mais conhecidas de nossa literatura: são dois jovens que se apaixonam muito cedo e se separam quando o rapaz é internado num seminário com o propósito de pagar uma promessa da mãe. Muita coisa acontece até que ele saia do seminário para casar-se com ela, a célebre Capitu dos "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".
Bentinho é quem narra a própria história (em primeira pessoa). Na velhice, já viúvo e solitário, decide "atar as duas pontas da vida". Os pormenores por ele descritos conduzem à interpretação de que Capitu o teria traído com Escobar, amigo de ambos, mas tudo é nebuloso -afinal, Bentinho nunca teve a certeza da traição. Essa incerteza já provocou inúmeros debates sobre o comportamento -adúltero ou não- de Capitu, mas o fulcro temático da obra é a dúvida. Esse é o grande tema de Machado, um tema universal, voltado para a realidade interior do indivíduo.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha Online e do site gazetaweb.globo.com/


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