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LITERATURA
Machado e Eça: dois realistas bem diferentes
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na lista de leituras indicadas
para os vestibulares da USP e
da Unicamp, figuram dois livros do chamado período realista: "A Cidade e as Serras"
(1901), do português Eça de
Queirós, e "Dom Casmurro"
(1900), do brasileiro Machado
de Assis.
Embora contemporâneos, os
romances diferem em muitos
aspectos, da linguagem à temática. Em "A Cidade e as Serras",
vamos encontrar um Eça já
bem menos irônico e mais voltado para uma reflexão de cunho humanista e idealista, afastado da acidez e do sarcasmo de
"O Crime do Padre Amaro".
"A Cidade e as Serras" é uma
divertida crítica ao excesso de
tecnologia, que cria dependência e afasta o homem de valores
essenciais, como a simplicidade. Nesse romance, Eça exprime a superação dos valores
cientificistas próprios da época
em que vivia, sob a influência
da Revolução Industrial. O romance descreve a trajetória de
Jacinto, que vai trocar Paris, o
berço da civilização, e o palacete de número 202, onde vive
cercado dos mais sofisticados
equipamentos, pela vida campestre, no retorno a Portugal.
A questão central de Jacinto
de Tormes é a busca da felicidade. Estaria ela no conforto propiciado pela tecnologia ou no
contato com a natureza? A indagação é atual -afinal, o tédio
e a alienação são subprodutos
do excesso de conforto.
Enquanto Eça retratava um
personagem entediado com a
civilização, Machado de Assis
trazia a público sua obra magistral, o "Dom Casmurro", na
qual o personagem central,
Bentinho, apelidado Dom Casmurro por ser um "homem calado e metido consigo", se digladia com a dúvida sobre a
possibilidade de ter sido vítima
de adultério.
A história de Bentinho e Capitu é das mais conhecidas de
nossa literatura: são dois jovens que se apaixonam muito
cedo e se separam quando o rapaz é internado num seminário
com o propósito de pagar uma
promessa da mãe. Muita coisa
acontece até que ele saia do seminário para casar-se com ela,
a célebre Capitu dos "olhos de
cigana oblíqua e dissimulada".
Bentinho é quem narra a
própria história (em primeira
pessoa). Na velhice, já viúvo e
solitário, decide "atar as duas
pontas da vida". Os pormenores por ele descritos conduzem
à interpretação de que Capitu o
teria traído com Escobar, amigo de ambos, mas tudo é nebuloso -afinal, Bentinho nunca
teve a certeza da traição. Essa
incerteza já provocou inúmeros debates sobre o comportamento -adúltero ou não- de
Capitu, mas o fulcro temático
da obra é a dúvida. Esse é o
grande tema de Machado, um
tema universal, voltado para a
realidade interior do indivíduo.
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e
"Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha
Online e do site gazetaweb.globo.com/
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