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HISTÓRIA
Os projetos de civilização e a barbárie
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Assim se referiu Euclides da Cunha ao destripamento dos sertanejos pelos soldados do Exército na ocasião do cerco ao arraial
de Canudos: "Apesar de três séculos de atraso, os sertanejos não
lhes levavam a palma no estadear
idênticas barbaridades".
Até chegar ao interior da Bahia,
Euclides considerava que o papel
da República era promover os valores da civilização entre os sertanejos, considerados por ele atrasados e ignorantes. Ao presenciar
o massacre no sertão, teve de rever suas opiniões e foi um pioneiro ao lançar sólidas desconfianças
sobre o discurso "científico" que
até então separava o campo da civilização do da barbárie.
No período compreendido entre meados do século 19 e as vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi o berço de intelectuais e cientistas como Karl
Marx, Nietzsche, Sigmund Freud,
Thomas Mann, Einstein, Heisemberg e Werner von Braun. Apesar
da imensa sofisticação da cultura
alemã, foi exatamente na Alemanha que surgiu também o nazismo, um mosaico de idéias que
não eram tão novas assim, mas
que articulavam de maneira original os rancores decorrentes da
derrota na Primeira Guerra Mundial e os interesses da elite alemã.
Essa ideologia criou nos campos de concentração uma linha de
produção submetida a rigorosas
exigências técnicas -que buscavam a máxima eficiência dos recursos envolvidos para o extermínio em série... de seres humanos.
Em 2003, a administração Bush
decidiu invadir o Iraque sob o argumento de libertar o país de uma
tirania e criar no Oriente Médio
um tipo de regime inspirado nos
modelos liberais do Ocidente, que
deveria servir de exemplo ao
mundo árabe. Recentemente, foram divulgados vídeos e fotos denunciando práticas de tortura e
humilhação contra os prisioneiros iraquianos por soldados do
Exército "libertador" dos EUA.
Os projetos "civilizatórios" e as
nações que os promovem têm demonstrado persistente incapacidade de se manterem fiéis aos valores que professam quando submetidos ao teste das situações-limite. Depois de três séculos de
vertiginoso progresso econômico, talvez tenha chegado a hora de
o Ocidente reconhecer, de forma
inequívoca, que a barbárie não é
um inimigo externo, mas está incrustada, ativa e influente, no "coração" da sua própria civilização.
Roberson de Oliveira é professor e autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora
FTD). E-mail: roberson.co@uol.com.br
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