São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2008
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VALE A PENA SABER/HISTÓRIA

A construção da cidadania e as cotas "raciais"

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Inúmeros argumentos utilizados no debate travado nos últimos anos em torno da adoção de cotas "raciais" em universidades públicas guardam muita semelhança aos que foram utilizados nos séculos 18, 19 e 20 para combater a construção da cidadania, tal como a conhecemos nas modernas democracias liberais do Ocidente.
Na época da Revolução Francesa, por exemplo, Edmund Burke, influente intelectual e ativista político irlandês, afirmava que a luta pelos direitos civis condenaria a sociedade à degeneração e à tirania.
O grande poeta, filósofo e historiador Friedrich Schiller dizia que a tentativa de instaurar os sagrados direitos do homem e de conquistar a liberdade reconduziriam a Europa à barbárie e à servidão.
Em relação à luta pela implantação do sufrágio universal, que se estendeu pelos séculos 19 e 20, o refinadíssimo historiador suíço Jacob Burckhardt previu, em meados do 19, que o despotismo das massas (sufrágio universal, a democracia) levaria à tirania e ao fim da história. Gustave Le Bon, em obra de grande sucesso publicada em fins do 19, argumentava que as inúmeras leis e regras aprovadas pela democracia para defender a igualdade e a liberdade resultariam num governo da burocracia e esmagariam a liberdade.
A outra instância da cidadania das democracias modernas, os direitos econômicos e sociais, enfrentou resistências ferozes para sua implantação. Em meados do século 19, intelectuais importantes, como Daniel Defoe, Burke, Malthus e Tocqueville, argumentavam que as medidas de ajuda aos pobres (as "poor laws" inglesas) aumentariam a miséria, pois estimulavam a preguiça, a depravação e o ócio. Segundo um ensaísta, Bulwer-Lytton, "as "poor laws" tinham a intenção de evitar os mendigos; tornaram a mendicância uma profissão legal".
Em 1984, Charles Murray bradando contra o "welfare state" (estado de bem-estar) dos EUA, afirmava que "tentamos prover mais para os pobres e em vez disso produzimos mais pobres".
A semelhança entre esta linha de argumentação, na qual a tentativa de transformar a sociedade numa direção fará com que ela se mova no sentido contrário, e a afirmação de que a adoção das cotas reforçará a discriminação, será mera coincidência?


ROBERSON DE OLIVEIRA é professor da Escola Móbile e autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD)

roberson.co@uol.com.br


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